Claudemiro Avelino

Claudemiro Avelino

Juiz de Direito e membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas

Postado em 03/09/2018 08:58

O povo brasileiro enlutado - queimaram-lhe o seu mais antigo museu!

Quantos nacionais têm agora a exata noção desse dantesco incêndio que cobriu e aniquilou o preciosíssimo acervo do MHN - Museu Nacional, cujo monumental prédio da Quinta da Boa Vista/RJ, serviu à família real imperial, e foi palco de tantos fatos históricos como a assinatura e registro de importantes documentos sobre a vida brasileira?

Esse fato é tão estarrecedor que, até entidades internacionais estremeceram de indignação e ainda vão demorar digerir essa catástrofe cultural - nomes de relevo mundial estiveram a pesquisar no Museu Nacional. É preciso muito patriotismo para se entender a dimensão dessa tragédia.

Os historiadores, pesquisadores, estudiosos, estudantes, mecenas e amantes da cultura pátria, estão com suas almas aos soluços, mormente quem teve a sorte de ir à fonte do seu acervo para buscar conhecimento, e de lá saiu enriquecido e encantado.

Como apreender que a ausência de políticas públicas responsáveis e sérias possam passar ao largo de uma instituição que abrigava até pouco a “alma nacional” - 20 milhões de ítens produzidos e reunidos em séculos da nossa história - um belíssimo conjunto de representação dos reinos animal, vegetal, mineral, além das coleções antropológicas, daqui e de outras civilizações, tenaz e arduamente reunidas ao longo de 200 anos?

O prédio em si, por si só uma jóia arquitetônica de grande dimensão, seu acervo arquivístico, por exemplo, de uma imensurável importância - realce para a sua biblioteca de antropologia, a mais completa e rica do país, nessa especificidade. Lembra-me agora a assertiva de Franklin de Oliveira: “ Pode elaborar o povo o seu futuro ou mesmo chegar a compreender o seu presente, se perder a lembrança de suas raízes?” Pois bem, com esse tristíssimo fato, foi colocado em ‘xeque mate’ o civismo brasileiro, ora representado naqueles a quem confiamos a esperança desse gigante Brasil vir a se tornar um país sério e comprometido com os altos interesses humanísticos.

E, para tornar ainda mais pungente esse episódio, em meio ao choque da notícia, e por mera coincidência, ao ver cenas do incêndio, chegava-me aos ouvidos uma música especial, como pedido de clamor da cultura pátria, a envolvente, melancólica e reflexiva melodia de ‘CONCERTO POUR UNE VOIX - Saint Preux’, confirmando a máxima de que a música é linguagem universal. O que fez puxar lágrimas de desencanto e certeza de um vexatório luto nacional traduzidos na tristeza de todos que se solidarizaram ao sentimento dessa inigualável perda. Numa metáfora poder-se-ia dizer sem exageros que, morreu uma mãe vendo queimar sua morada e sua história.

Imagine-se a angústia de Alexander Kellner, o seu Diretor, ao ver o maior museu de antropologia da América Latina praticamente desaparecer - aliás bem recente, afirmara ele que há mais de meio século que o museu não recebe a visita de um Presidente da República, parece-lhe que o último a ter visitado o MHN foi Juscelino Kubitschek - e disse mais que, para as comemorações dos 200 anos do museu, nenhum Ministro de Estado, dentre os convidados, aceitou participar das palestras, ou seja, cultura sempre relegada e preterida.

De contrapartida, porém, sabe-se da vultuosa soma de 1,5 bilhões que tem sido liberada à política além da fortuna para Eleições/2018. Todavia, o imponente Museu Nacional - um tesouro, desconhecido, há anos reclamava por reformas estruturais e de manutenção e restauro do seu rico acervo, cujos gastos pouco representam perto do dinheiro desperdiçado com interesses meramente políticos - que no mais das vezes servem apenas para manter o “status quo” de quem insiste em permanecer nos três níveis de parlamento, egoisticamente, descurando das grandes causas nacionais!

Preferiram ver em labaredas, quiçá a mais preciosa fatia de informações da antropologia brasileira. Aflora um indigesto sentimento de vergonha nacional - uma lástima vivenciar esse tenebroso fato.
 

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  • Cleusa Gonçalves Sinto vergonha de como nós, brasileiros , tratamos tratamos nossos museus e nossa cultura. Privilegiando cinema e teatro em detrimento da nossa história.
  • Anselmo Machado Parabéns Doutor , essas palavras dispensam comentários. A História e a Cultura do Brasil ficarão de luto por toda eternidade. Lamentável.