Mercadores da Fé: Os Novos Capitalistas da Ilusão
Será que em alguma época da humanidade, em termos proporcionais ao número de habitantes, houve alterações para mais ou para menos em se tratando de crenças religiosas? Creio que não existem dados a respeito. Mas não seria normal esperar que com o crescente conhecimento científico, notadamente dos últimos cem anos, houvesse um considerável decréscimo? Não é o que observamos. A religiosidade, sem dúvida, faz parte do instinto humano.
Muitas vezes, em tom de brincadeira, tenho dito que se eu fosse malandro, tivesse o dom da palavra aliada à dramaticidade hipnótica dos grandes pregadores, iria fundar a minha igreja. Escolheria um nome pomposo e chamativo. Seria uma boa isca chamá-la de Igreja dos Prazeres da Vida Eterna. Teria de atualizar-me com as escrituras. Acho que não teria disposição para reler o Antigo Testamento, chato a bessa, mas faria ao menos a do novo. Para facilitar-me ainda mais, buscaria ajuda de um grande estudioso da área e destacaria as melhores a apropriadas citações dos profetas, dos evangelistas e das epístolas de São Paulo, necessárias à minha pregação – enganação. Para tanto, teria de representar muito bem como se fosse um autentico crédulo da Bíblia. O importante é parecer ser autêntico e ter o dom do convencimento. Muitos evangélicos que estão a pregar por aí afora são ateus e estelionatários. Edir Macedo, fundador da milionária Igreja Universal é cínico e ateu. Você já teve a oportunidade de ver, via internet, o fausto como vive nos Estados Unidos? É o mais acabado malandro da fé. Grande ator da arte representativa!
Nada mais verdadeiro que o ditado popular que diz “Triste do sabido se não existissem os tolos”. Na atualidade, graças aos meios de comunicação em massa, existe alguma matéria-prima mais importante para gerar dividendos a favor dessa nova classe de pregadores da ilusão divina perante a massa ignara? Quando falo em classe é porque, incrivelmente, existem muitos espertos cada qual a alegar que a sua Igreja é a que prega, de fato, a palavra de Deus. Não percebem eles e os que crêem que a Bíblia seja depositária da palavra do Criador que, se verdade fosse, não comportaria dissensões. Não é ela a mesma para todos os cristãos? Por que tantas divergências de interpretação? Contradição não tem nenhuma afinidade com a verdade. O que é, é. Não podem existir duas verdades, uma repele a outra. Toda essa mixórdia prova apenas, de forma irrefutável, que as religiões são criações puramente humanas. Para as pessoas de grande fé, no entanto, não existem argumentos suficientemente convincentes capazes de abalar suas convicções. É o mais insondável dos mistérios do homem.
Dizia Marx que a religião era ópio do povo. Em seu historicismo ou dialética sobre os sistemas de produção, acreditava nas passagens sucessivas do feudalismo, capitalismo, socialismo e por fim o comunismo onde o homem, isento dos grandes conflitos, teria o suficiente segundo as suas necessidades e não segundo às suas possibilidades. Quero acreditar que Marx, materialista e ateu, com o seu comunismo, pretendia criar o paraíso na Terra. Caiu na mesma utopia do éden celestial. Entre ambos existem duas diferenças. O primeiro, realiza-se aqui na Terra e em vida e o outro no céu após a morte. De outro lado, segundo entendo, têm uma coisa em comum: o comunismo, exceto entre as tribos primitivas, é impraticável numa sociedade civilizada onde predomina a competição e o desejo de ascensão social, e quanto ao celeste é, filosoficamente, absurda a sua concepção. Até no pensamento o paraíso é um enorme enfado.
As utopias sempre fizeram parte do pensamento do homem, tendo como inspiração , acredito, resquícios da fantasia infantil, aliada à impotência para atingir as mais elevadas aspirações. Quem tiver a oportunidade de assistir pessoalmente ou pela televisão o desenrolar da oração carismática ou a pregação exaltada do pregador evangélico, dominando a platéia, perceberá a fragilidade dos fieis submissos a fé, a gritarem de braços levantados, lembrando a súplica de um náufrago a pedir perdão de seus pecados para ter acesso ao céu e, na sua ansiedade, seriam capazes até de tomá-lo de assalto. Não é a fé em si, sentimento positivo nas pessoas sensatas e equilibradas, isentas da exploração, mas o desequilíbrio emocional de tantos ingênuos e ignorantes que criam o campo propício à rapacidade dos espertos.
E assim caminha a humanidade, de um lado a rastejar e do outro, na companhia dos mais altos e criativos pensamentos ou nas asas da fantasia das grandes utopias. Existe campo mais fértil e propício ao assalto dos novos capitalistas da ilusão?
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