João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 11/01/2017 10:44

Abnegação e Ternura do Amor Feminino

Recordamo-nos da leitura da obra Alceste, de autoria de Eurípedes, que exalta ao extremo o amor de uma mulher pelo seu marido. Sabemos que os Gregos antigos, em grande parte, eram fatalistas, não fazendo exceção os autores das tragédias que retratam seus heróis presos ao determinismo. Num rápido resumo, o deus Apolo, como castigo, torna-se servo de um mortal no palácio de Admeto, que estava condenado a morrer dentro de poucos dias. Apolo consegue ludibriaras Parcas, deusas da morte, livrando-o da mesma com a condição que alguém queira morrer em seu lugar. Ninguém, pai, mãe e amigos, a não ser Alceste, sua mulher, aceita o sacrifício. Admeto, aproximando-se o dia fatal, reclama do destino e confessa que morrerá se Alceste o abandonar, o que não acontece graças a sua covardia. Para sua felicidade, Hércules, seu amigo, consegue penetrar no reino dos mortos e resgata Alceste. Será que essa obra de ficção se aproximaria mais da realidade se houvesse uma inversão no enredo entre os personagens? Certamente que não, Eurípedes sabia ser isso impossível.

A observação e a convivência mostram-nos uma radical diferença entre o homem e a mulher no plano amoroso. Enquanto na mulher prevalece o lado espiritual, no homem, em sentido inverso, por exigência natural dos conflitos, sobressai o materialismo. A mulher, com a virtude da abnegação, entrega-se sem condição ao ser amado, enquanto o homem, na maioria das vezes, quando procura ser gentil e carinhoso, está visando livrar-se de uma tensão que se alivia com a satisfação do prazer sexual. Assim, pelo natural desprendimento que lhe é inerente, a mulher está mais propensa ao sacrifício do que o homem, como se vê em Alceste.

Mesmo que se diga que o homem ama como deve amar e a mulher como mulher, parece-nos que ela, pela pureza emocional que carrega dentro do peito, está bem mais próxima de definir com precisão o amor do que o homem em seus arremedos.

Uma outra característica de suas qualidades é a capacidade de suportar a enfadonha rotina do casamento graças ao instinto de agregação e proteção da família. Aqui está o seu verdadeiro heroísmo, não mostrado nas novelas, exatamente pela sua insipidez. Por outro lado, se tivermos de fazer contraponto entre a abnegação, bem peculiar ao altruísmo feminino e ao heroísmo romântico próprio do homem, sem mérito heroico, sempre disposto a enfrentar todo tipo de perigo e obstáculos para conquistar sua amada, há uma grande diferença qualitativa. A abnegação, passiva, pressupõe o sacrifício em benefício de alguém, do amor ao próximo, ao passo que o herói, levado pelo fogo da paixão, é muito fácil ser inspirado pela bravura e enfrentar as piores tormentas e tempestades para satisfazer o próprio interesse.

Em resumo, o homem, no seu imediatismo, busca tão-só, em grande parte, a satisfação sexual. A mulher, resguardadas as exceções, quando nos braços do ente amado, sentindo-se como uma deusa na sua espiritualidade pautada na suavidade e delicadeza, contenta-se, cheia de ternura, com os afagos e carícias.
 

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