João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 18/01/2018 10:17

Vidas nos limites do tempo

No tempo e nada além do tempo, nascemos, vivemos e morremos apenas uma vez. É uma convicção existencialmente desalentadora, mas perfeitamente compatível com a fria razão que está em plena sintonia com as leis naturais que rejeitam uma eternidade linear contrária a indefinida alternância entre a vida e a morte. Nossa consciência e lembranças, surgidas numa tábula rasa, sem a memória de um passado, logo se apagarão em definitivo. Viver duas, três ou mais vezes sem uma memória sequenciada das mesmas, frustra o sentindo da reencarnação. Eis porque, no mais radical encontro dos opostos, viver um infinito de vidas equivale a viver somente uma vez.

Os mistérios não estão apenas adstritos aos temas transcendentais como os relativos a cosmogonia, o surgimento da vida, dentre outros, mas também dentro do próprio homem, especialmente no que diz respeito à sua inteligência e a relação da mesma com a matéria, bem como ao enorme poder do inconsciente ainda desconhecido, praticamente em fase embrionária e aparentemente indevassável. A propósito, basta que nos atenhamos aos extraordinários fenômenos abordados pela parapsicologia, como a pantominésia ou a memória de tudo; a xenoglossia, capacidade de falar todos os idiomas; a criptoscopia, a capacidade de enxergar através de corpos opacos, dentre outros, são, sem dúvida, realidades fantástica que põem em nocaute a mais sagaz imaginação para desvendá-los.

Naturalmente que no horizonte do inatingível nenhuma especulação filosófica preocupa e inquieta mais o homem do que querer saber o que acontece após a morte. Será o fim ou ela passará a vida para uma outra dimensão? A fé, em todas religiões, dispensa a ciência para explicar a existência de Deus, os dogmas religiosos e a vida eterna. O cristianismo, não aceitando as vidas múltiplas, acredita na ressurreição dos mortos, quando haverá um julgamento dos méritos e deméritos de cada um, encaminhando-o em seguida para o céu ou inferno. Em sentido contrário, existem as doutrinas que pregam a reencarnação que acontecerá tantas vezes quantas forem necessárias para atingir o aperfeiçoamento e a purificação do espírito. Embora divergentes quanto ao meio, chegam a um ponto comum que é a existência da vida eterna.

Essa fome de vida parte do instinto de sobrevivência ou, como supõem alguns, do inconsciente que carrega dentro de si o poder da imortalidade. Na verdade, tudo que é vivo luta pela sobrevivência, razão porque se todos raciocinassem, todos iriam desejar a vida eterna. Julgamos, no entanto, uma pretensão exagerada e em total descompasso com a lei natural que não admite, como acima afirmamos, a eternidade, mas a infinita sucessão de tudo. Ora, a vida é movimento e como tal implica que ela se alterne e nunca chegue a um ponto final que resultaria na morte definitiva em consequência da imobilidade. Até as estrelas, as galáxias, mesmo que durem bilhões de anos, um dia deixarão de existir. Como, então, podemos alimentar uma ideia de imortalidade? Acredita-la, não passa de um desejo inútil e infantil de tantos órfãos da racionalidade e que jamais atingirão a idade da razão.

Voltemos a reencarnação, doutrina espírita. Está fundamentada em quê? Em fenômenos paranormais como, por exemplo, a pretensa comunicação com os mortos? As inacreditáveis curas orientadas por desencarnados, feitas pelo sensitivo? Esses fenômenos têm uma realidade fora do médium ou são uma emanação do seu inconsciente? A materialização de um ser, uma das proezas dessas manifestações, corresponde a uma outra entidade ou é a transfiguração do próprio médium?

Atenhamo-nos agora à regressão da memória de vidas passadas. Algumas teorias procuram explica-las. Uma delas é a memória genética por meio da qual a pessoa reproduz a vida de um ancestral, impressa em seu gen. Pode ser o resultado de uma comunicação com o inconsciente coletivo, segundo Jung, hipótese bem semelhante com o registro AKASHICO segundo o qual tudo em todo universo está conectado. A vida de cada um de nós, por exemplo, fica registrado como por uma câmera de filmagem. Extraterrestres, se existirem, podem entrar em contato via inconsciente com os terráqueos passando-lhes conhecimentos científicos de alto nível, como se acredita. A teoria psicológica apoia-se na catarse por sublimação através da qual se dá a liberação dos desejos recalcados, imaginando uma vida ideal que não conseguiu viver. Por fim, citamos a telepatia retro cognitiva com base na teoria da relatividade no que diz respeito a velocidade, isto é, quando igual ou superior a da luz, pode recuar ou avançar no tempo.

São essas teorias capazes de refutar os assombrosos poderes mediúnicos, razão de muitos ficarem boquiabertos e maravilhados, convencidos da existência da reencarnação? Os fenômenos paranormais, enquanto não elucidados pela parapsicologia, permanecerão no rol das realidades ainda desconhecidas. Entretanto, mesmo que permaneçam na obscuridade, não vemos porque acreditar na reencarnação, na ressureição, absurda infantilidade e na pueril vida eterna. Nem mesmo Deus, seja qual for a ideia que dele façamos, quer como uma entidade antropomórfica como imaginam os cristãos, quer como uma concepção panteísta, pode permanecer estático, sentado num trono, apreciando a epopéia de sua criação. Tal gesto seria incompatível com um universo em expansão no qual nascem e morrem estrelas, numa eterna sucessão entre a vida e a morte. O mesmo sucede conosco, o micro, obedecendo às mesmas leis do macro em sua incomensurável grandeza.

Vidas além do tempo limitado não passa de uma mera figura de linguagem para impressionar, vez que negando a alternância entre a vida e a morte, seria negação da própria morte.
 

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