João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 22/11/2017 16:03

Vale a pena a mútua dependência afetiva no casamento?

Os jovens enamorados, sob o império dos sentidos que estimulam os afetos amorosos que brotam da atração física, imaginam que todo esse encantamento de ternura e atração sexual durarão para sempre, alheios às futuras tempestades na multiplicidade de suas formas e intensidade. Alguns, no entanto, em obediência às exceções, conseguem vencer as tormentas, talvez por nunca tê-las existido em suas vidas ou pela graça de terem uma índole pautada no pacífico entendimento.

Dizem de alguns que existem os bons casamentos, nunca os excepcionais. Na sua relação com o tempo, podem ter a duração de horas ou para sempre até que se extinga um dos cônjuges. A longevidade de um casamento, mesmo que crivado de contratempos, não chegam a impressionar por não fugirem da realidade. O mesmo não acontece com aqueles nos quais o relacionamento chegou a tal ponto de harmonia, confiança e fidelidade que nos levam a imaginar que vivem a encenar um conto de fadas, mormente para os que acreditam no amor sem fim, bem longe dos padrões da nua realidade.

Acontece que tivemos a oportunidade de conhecer uns quatro casais que tiveram a benevolência do destino para usufruir, em perfeita harmonia, o ideal romântico do amor sem fim. Estavam sempre juntos em seus momentos de lazer, parecendo irmão-siameses, tal a rigidez monogâmica que imprimiram entre si, bem diferente das tentações de arrevessar a cerca do vizinho.

Desses quatro, vamos relatar apenas um fato ocorrido em um deles por representar tudo que diz respeito à perfeição de um relacionamento, sem a menor mácula de um deslize capaz de ferir suscetibilidade. Foi um teste programado, de conhecimento das pessoas mais próximas, inclusive da própria esposa. Era um baile de máscaras durante o carnaval. Depois das tantas, alegria a todo vapor, uma jovem bonita e atraente começa a dançar com o marido e o provoca por diversas insinuações a fazerem um programa. Sua reação, foi a mais inesperada contando na época com pouco mais de cinquenta anos de idade, para os garanhões foi a maior prova de babaquice. Alegou que era bem casado, amava sua mulher e que a mesma lhe era suficiente e procurou desvencilhar-se da sedutora. Incredulidade causada a todos, plena felicidade para a esposa, pessoa que por sinal tinha a virtude da bondade para com os necessitados.

Os anos se passaram. Família bem ajustada e criada, o marido vem a falecer. Pela primeira vez sentiu o mundo desabar e perdida toda a razão de viver. Não atingira ainda os setenta anos. Alheou-se a tudo e a todos e ensimesmou-se na escuridão de sua tragédia. Recusou-se a se alimentar por mais que insistissem seus filhos. Católica praticante, acreditava na vida após morte e, esperava, o iminente reencontro com seu amado, como de fato aconteceu pouco tempo depois.

Se a tragédia amorosa de Romeu e Julieta é uma das mais encantadoras histórias de amor, nada absurda em se tratando de dois jovens apaixonados, ingenuamente crédulos da indestrutibilidade de seus sentimentos. Coisa bem diferente é o amor vivido e indestrutível por décadas, atingindo a velhice, quando a maioria dos casais, extinta a atração sexual, continuam a conviver, por conveniência ou falta de alternativa, a suportar o tédio e a monotonia. Assim, torna-se rara, atingindo para tantos a total incredulidade, a tragédia amorosa entre velhos, sempre afetivamente dependentes um do outro. Desaparecido um, segue o outro logo em seguida.

Deixando de lado fatores diversos que podem por fim a um relacionamento amoroso, a pergunta ao título acima é sim ou não? Naturalmente que a resposta sim, bonita de ver para tantos e difícil de ser para outros, vai depender da personalidade de cada um. Impossível para os volúveis, facilmente propensos a novas experiências amorosas, sem dúvida compatíveis com a natureza do homem.

Em resumo, havendo uma grande diferença entre o possível e a dura realidade, o amor que pendura na sua inteireza até a velhice é, sem sombra de dúvida, especialmente para os românticos, a mais alta expressão do ideal amoroso, um amor acomodado, reservado a poucos, em relação a tantos que preferem as tentações do pecado.
 

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