João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 28/12/2016 15:12

Não Estão Mais Entre Nós

Divulgação
Não Estão Mais Entre Nós

 O quadro de nossas amizades, completada a fotografia com os entes queridos, logo entra em cena a ação devastadora do tempo para, de forma fria e insensível, desfigura-lo e subverter, sem piedade, os nossos sentimentos. Igual a vida que ao surgir se expande até seus limites para depois, num crescente contínuo a partir de toda fase estudantil e profissional, começarmos a ver, num processo de refluxo, os, claros no quadro de nossos amigos.

 Afora nosso círculo, fomos testemunhas de grupos, geralmente senhores da terceira idade, que em seus momentos de lazer, quer para degustar uma boa cerveja ou para disputar partidas de gamão ou dominó, em local habitual, ver o lento desaparecimento dessas cenas que primavam por uma alegre descontração. Mesmo sem termos participado dos mesmos, não deixamos de sentir, por empatia, uma ponta de tristeza pelo desaparecimento desses grupos que nos últimos anos de suas vidas carregavam e souberam aproveitar o pequeno saldo de seus momentos de felicidade. É exatamente na velhice que percebemos de uma forma acentuada o vazio deixado pelos que se foram, conhecidos, parentes e amigos, sugados pela implacável voracidade da morte. Esse processo, inevitável pela sua natural trajetória que se alterna entre a vida e a morte, curiosamente nos leva para a estatística e ficarmos convencidos que do outro lado existem pessoas mais queridas, interessantes e divertidas do que do lado de cá.

 Constatada essa convicção que nos transporta para momentos de nostalgia, somos também levados, simultaneamente, a fazer reflexão sobre a vida presente e o que será depois da nossa partida. Será o fim ou passaremos a viver em outra dimensão? Perante essa dúvida, duas correntes se contrapõem, uma de ordem sentimental e a outra embasada numa avaliação racional. Naturalmente, diz-nos o sentimento, gostaríamos de reencontrar os nossos entes queridos. A razão, por sua vez, pergunta: como se dá esse reencontro no plano espiritual? Cheio de emotividade e grande alegria? Sendo o espírito invisível e algo tão tênue, se é que existe após a dissolução do corpo, como imaginar que possa dispor das sensações que são a razão de viver? Custa-nos acreditar que a espiritualidade, paradoxalmente, se é que existe um paradoxo, possa persistir sem o corpo material e seus órgãos específicos como o cérebro e coração, por meio dos quais ela emana. Não acreditamos, como acreditavam os pitagóricos e Platão, que o espírito antecedeu ao corpo, encontrando-se preso ao mesmo por uma transgressão até o dia que será totalmente liberado. São no nosso entendimento, simultâneos e existencialmente se complementam, não existindo um sem o outro.

 Será sempre uma matéria controversa, indispensável até para dar o irresistível condimento da vida. Os mistérios, que se por um lado nos atormentam e angustiam por não podermos desvendá-los, mais trágico ainda seria se fosse possível fazê-lo, o que nos reduz, a propósito, nas palavras do filósofo espanhol Miguel de Unamuno, a um destino trágico da vida.
 

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