João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 30/08/2018 09:54

Brasil, merda de marinheiro, você é um país?

Sem faltar com a modéstia, evidente a todos nós, sou grandioso, belo e majestoso. Não sei porque, certamente assim quis o Criador, a grandeza dos meus atributos são um verdadeiro apanágio que abriga uma série de vícios que desancam minha reputação como uma maligna forma para contrapô-los. Sinto-me calejado de tudo isso e remotas são minhas esperanças de um dia tornar-me respeitável. Como era sedutor e maravilhoso o meu remoto passado! Convivia com homens e mulheres que, nas palavras de alguém que não me lembro, acabaram de sair das mãos de Deus, livres das tentações, reproduziam o paraíso celestial.

Tenho acompanhado seus percalços e não vejo nenhum exagero em suas palavras. Sinto, em minha intuição, com a devida vênia, que você é um caso perdido. Imagino que seu sagrado solo somente poderá ser purificado com a completa destruição dos parasitas que empesteiam a devorar seu corpo. Ficara quase deserto.

Você pode estar com a razão. É que tamanha hecatombe, tipicamente nazista, além de humanamente impossível, não resistiria à infernal e insuportável aflição de consciência. Na verdade, como diz o ditado popular, quem vive no inferno se acostuma com os demônios, convivência que tive no início quando fui descoberto por um povo estranho com uma tecnologia mais avançada para matar tudo que fosse vivo, recaindo o sacrifício, inicialmente, sobre os que eles chamavam de índios. A desmedida cobiça pela riqueza que se traduziu de início na busca de pedras preciosas, levou-os para o interior, aprisionando, trucidando e escravizando índios para alcançarem seus objetivos. Os pobres selvagens, afeitos apenas à caça e à pesca, sem o costume de trabalhos pesados, tiveram de ser reforçados pelos negros vindos da África para todas as modalidades de serviço. Por conveniência, não quero, entrar em pormenores da minha história, nem sempre recheada de louváveis feitos, basta informa-lo que cheguei a ser império e hoje sou uma desvairada república que não chega, de longe, a ter o mesmo respeito, ordem, paz e honestidade dos antigos cabarés, a luxúria com muita classe.

Não imaginei que fosse ouvi-lo com tanto realismo.

Não podemos desprezar as evidências. O motivo desse desabafo, mesmo curtido pela orgia que contraria meus interesses, é a existência de fatos que não consigo acredita-los sejam verdadeiros. Como posso andar a passos largos se conto com políticos e administradores que, além de terem os piores predicados, sofrem de uma miopia que não conseguem sequer ver o presente, quanto mais terem inspiração de vislumbrar, a longo prazo, um futuro promissor. Triste sina! O que hoje eu seria se não sofresse impiedosamente os malefícios dessas pragas que corroem o élan vital indispensável ao meu crescimento? Ninguém duvidaria que seria o grande Brasil, pertencente ao clube das grandes potências. Impotente entre as potências, pacientemente fico à espera de uma ereção capaz de ejacular e fecundar novos valores capazes de me transformarem no admirável Brasil, condição a mim inerente pelas benesses da natureza a mim concedidas.

O que você acaba de falar, além de ser forçado a conviver com os demônios, sofre, sem dúvida, de um tremendo recalque por não ser o que gostaria de ser, um ser humanamente cheio de bondade para poder distribuir a seus filhos, com fartura, tudo para garantir uma vida digna. Inadmissível que você que tem um potencial de ser o maior celeiro do mundo, termos de ver gente faminta, subnutrida, muitos disputando, nos lixões, restos com os urubus, sem falar nos casebres para cachorros vira-latas.

Isso não é tudo, a nos chocar a consciência. A minha pior desgraça não é a arraia miúda, fácil de controlar, mas os indomáveis que ocupam o topo dos três poderes. Como posso ver o conserto dos meus graves problemas quando quem comanda e deve dar o bom exemplo, perde o respeito? Isso é a mais realista fotografia de uma zona, de uma bagunça generalizada. A tripartição dos poderes faz parte de todos os países. Mas como posso conceber uma câmara de deputados com quinhentos e treze parlamentares e inúmeros assessores, com os mais altos salários? O mesmo acontece com o senado federal, assembleias legislativas e câmaras de vereadores. A soma desses gastos, além de enorme, é, em grande parte, um dinheiro gasto com a mais precisa inutilidade. É uma realidade que não justifica, mesmo que estivesse a nadar em dinheiro. Do outro lado, assistimos o impensável, o Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte, talvez a menos confiável de toda a história, cometer atos que não estão à altura de suas responsabilidade quando, por exemplo, concede a si próprio um aumento salarial acima da inflação, sem deixar de ver a situação financeira que me sufoca e o efeito cascata para outras categorias. No que diz respeito ao Congresso Nacional, não poderia haver, uma significativa redução de seus membros? Será que quantidade é sinônimo de qualidade? De maneira nenhuma. Em sentido contrário, quanto maior o número de representantes, maior será o número de ratos para dizimar meus cofres. Para arrematar esse esculacho do reino político, gasto, acredite se quiser, dez bilhões e oitocentos milhões por mês.

Com esses últimos esclarecimentos, que não me eram desconhecidos, é que tomei a iniciativa de fazer-lhe à pergunta acima. Você, na verdade, é um ser híbrido, resultado do cruzamento do milagre e da generalizada desmoralização. Se não houvesse o milagre, como poderia existir?

Como não respondi sua indagação inicial, afianço-lhe que sou um país com as qualidades acima descritas, bonito, mas degenerado. Também tenho, embora predomine a aparência, o que têm os demais. Essa aparência sem a seriedade arrasa-me a esperança e o otimismo, tornando-me um pessimista que se sente, muitas vazes, sem rumo como um barco sem leme a flutuar a esmo, como me chamou, semelhante a merda de marinheiro.

Não convém sequer fazer referência às próximas eleições pela incredulidade que paira na cabeça dos que têm bom-senso. Como um ex-presidente, preso por corrupção, tenha a preferência eleitoral superior aos demais candidatos? Uma aberração! Será que alguém, por ter feito um bom governo ou seja uma pessoa virtuosa, deixe de ser criminosa, mesmo que tenha delinquido? Muita burrice e fanatismo. É estarrecedor! Mas como não reponde e o mais irônico, um reajuste inconstitucional. Que vergonha, justamente para os guardiões da Constituição, homens que nos dão a impressão de ser semideuses de conhecimentos jurídicos e paladinos da responsabilidade e moralidade. O que mais me falta para ser um país ridicularmente sui generis?
 

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