Martha Martyres

Martha Martyres

Radialista, diretora da rádio Penedo FM, âncora do jornalismo no Programa Lance Livre

Postado em 06/01/2012 09:50

Bom Jesus dos Navegantes

Bom Jesus dos Navegantes
Bom Jesus dos Navegantes. Imagem de Cesário Procópio dos Mártyres

No segundo domingo de janeiro, vamos acordar ao som dos acordes das Bandas de Pífano. É a festa do Bom Jesus dos Navegantes!

É dia de rever os parentes distantes, os amigos separados pelo cotidiano de cada vida.
É dia de reunir a família, de mesa farta, de cheiro de bolo quentinho, do sabor inigualável dos barquinhos de amendoim, dos rolete de cana, da paçoca, da roda gigante…

Dia de Festa do Bom Jesus dos Navegantes é dia de usar roupa nova e sapatos que, se fizerem calos, serão pendurados nos dedos, sem pudor e constrangimento porque o que vale é acompanhar a procissão terrestre e fluvial e pedir benção ao santo.

Quando as águas mornas do Rio São Francisco ainda dormem e a névoa da madrugada espalha seu esbranquiçado na moldura da paisagem, homens, mulheres e crianças se aboletam nas canoas enfeitadas com suas roupas de festa e o coração saltitando na garganta.

É hora de ir a Penedo e disputar, palmo a palmo, na multidão, todos os encantos que a cidade oferece.

Os ambulantes coloridos colocam á disposição dos fiéis os mais diversos produtos. Quer o óculos para se proteger do sol? Tem. Quer um terço para rezar e pedir proteção? Também tem! Quer um brinco, uma pulseira, uma canga de praia? O ambulante oferece. E se você não trouxe a comida, não se “avexe”. Tem macaxeira com carne do sol. Tem muqueca de peixe, camarão, jacaré, rabada e mocotó!

Os grupos folclóricos espalham-se, as rodas de Capoeira, ao som do berimbau, trazem gestos de um primitivo instinto de defesa, uma mistura de dança e luta para lembrar nossas origens e nossa força. No ar, há um odor azedo de suor, de cachaça e uma mistura das frutas da época.

Só quem nasceu por aqui é capaz de ver e sentir, de forma plena, o entusiasmo, a fé e a capacidade criadora do povo beradeiro nesse momento soberbo. É uma fé cheia de vitalidade e pureza!

Passam-se os anos, modificam-se as tradições, mas o povo do Baixo São Francisco, em sua plenitude, exalta a cada semana de janeiro o seu Bom Jesus dos Navegantes que em tudo manda e rege como também rege e manda nas águas do Velho Chico. A festa do Bom Jesus dos Navegantes o tempo não alterou e o progresso não arrefeceu.

Não pode haver espetáculo mais belo que esse desfile de dezenas de barcos acompanhando o cortejo. Das muradas da cidade, do cais, da beira do rio, das ilhas, de toda parte a população vai ver a procissão do santo protetor dos navegantes.
Durante todo o ano ele fica na Igreja de Santa Cruz, a pequena capela que foi edificada na comunidade no ano de 1818.

O escultor da imagem do Bom Jesus dos Navegantes, Cesário Procópio dos Mártyres, contava que no local da capela havia um terreiro onde se realizavam danças diabólicas. Certo dia, um garoto que assistia ao evento viu um homem que dançava com pés de cabra. Houve pânico na população e o terreiro foi destruído. Em seu lugar, foi edificada a atual capela que data do ano de 1907. É lá, no altar principal, que fica o Bom Jesus dos Navegantes.

Na segunda semana de janeiro a comunidade de Santa Cruz se transforma. É quando acontece o tríduo religioso, a quermesse, a festa.

No domingo à tarde, debaixo de um estrondoso espetáculo de fogos de artifício, o santo sai da igreja em seu andor ricamente decorado para “pegar a lancha”, como diz o homem da beira do rio. No percurso da igreja ao porto, o povo pára. Ergue os olhos para o Bom Jesus, pede sua benção, faz o sinal da cruz.

Os mais variados sons silenciam em respeito à passagem do santo. Os homens tiram os chapéus e se curvam em reverência, as mulheres põem a mão sobre o coração e pedem proteção para suas famílias.

Quando o andor com o santo vem se aproximando do porto, a multidão avança, corre para as balsas, os barcos, as lanchas. Entra na água e disputa entre gritos e empurrões, um espaço, o privilégio de entrar na embarcação que levará a imagem do Bom Jesus dos Navegantes.

Nada os detém. Nem a comissão, nem o prefeito, nem os sacerdotes, nem a polícia. Nada consegue manter a ordem desejada. É o delírio e a força da fé. Quem não consegue embarcar, chora, acena, desmaia, mas não arreda pé da rampa.

As embarcações apitam e começa a procissão. Velas brancas, azuis, vermelhas, multicoloridas se levantam para os céus e aos poucos o cortejo toma forma singrando serenamente as águas do rio.

Em seu barco, mão esquerda erguida abençoando os navegantes, o Bom Jesus comanda a festa.

Levantam-se os cânticos, toca a Banda de Música da Sociedade Musical Penedense. Nos barcos que acompanham a procissão, vez ou outra se aumenta o volume do axé, do samba, do brega. Ouvem-se pandeiros, cavaquinhos, violas, palmas. A fé e o desejo de saudar o Bom Jesus independe de gêneros musicais. Não há desrespeito. Há a certeza de que participando da procissão, Bom Jesus há de proteger!

Ele, que abriga os navegadores das tempestades, os pescadores dos perigos do Nego D´água e que, nos dias sinistros conduz a todos que foram pegos desprevenidos ao porto da salvação, compreende que o Pai deu a alegria ao homem para ele expressar seu agradecimento pela satisfação de estar vivo. E o povo faz chegar seu agradecimento a Deus pela música, pelas suas cantigas e pela sua alegria.

Ao longo do trajeto, nos fortes espalhados pelas margens do Velho Chico, Bom Jesus é saudado com foguetório e os barcos acionam suas sirenes. Enquanto isso, na rampa do porto de Penedo, na balaustrada, na Rocheira, o povo aguarda a chegada da procissão, do santo protetor.

O cortejo fluvial se aproxima, o sol vai-se escondendo através das montanhas sergipanas, as luzes se acendem, explodem os rojões e o povo começa a rezar.

“Livra-nos, Senhor dos Navegantes, das práticas políticas eleitoreiras, livra-nos do descaso, da falta de compromisso e dos falsos profetas. Livra-nos da fome, da sede e da seca que assola o homem barranqueiro do São Francisco pela falta de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do Vale do Rio da Integração Nacional. Livra-nos de um projeto de imposição de transferência de nossa água que ao invés de servir para matar a sede dos nossos irmãos e dos animais, como faria São Francisco, o Santo, vai servir de mote para discursos de campanha eleitoral objetivando a perpetuação no poder.”

É festa do Bom Jesus dos Navegantes. Vale à pena ver, ouvir, sentir, acompanhar a procissão ouvindo seus cânticos, rio afora, e ser abençoado pelo Bom Jesus que comanda seu povo, protege e resguarda.
 

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  • Bruno Dantas Belo texto, é isso que o penedense nato precisa conseguir enxergar, a trtadição secular da mais linda festa dessa cidade ribeirinha... Orgulho de ser penedense, Orgulho de fazer parte da história dessa festividade floclórica.
  • Marcello uma coisa q deixa a desejar na procissão é o fato de ter pouquissimos fogos!! para a grandeza do evento merece um espetaculo a exemplo do q é feito em propriá-sergipe
  • sergio uma redação e uma historia tão bonita sobre a fsta do Bom Jesu e fico triteem saber que o nosso prefito que não entende d patachoca nehuma da nossa historia tenta acabr cm nossa festa
  • maria Belíssimo texto que traduz perfeitamente a plenitude da Festa de Bom Jesus dos Navegantes e o sentimento inexplicável de inúmeemoções acontecidas durante a festa, só um penedense nato entende as entrelinhas descritas, de arrepiar! Parabéns! Saudades do meu Penedo! Nada abalará esta comemoração mor.
  • rosy Texto perfeito! Lindo! Não contive as lágrimas! Recordei a minha infância onde aguardávamos ansiosos esse dia onde a vovó reunia todos na sua casa na Santa Cruz, quanta gente! Passávamos todo o dia andando de lancha e à noite brincávamos no parque do Sr. Zeca Pessoa! Saudades! Tempo Maravilhosos!
  • Luciano Parabéns pelo texto! emociona qualquer penedense, pois não sou.. mas me emocionei.. Peço ao Bom Jesus que ilumine o ano de 2012, e no proximo ano daremos os verdadeiras valores que ele tamto merece!
  • Edmilson Feitosa Seguremos nas mãos protetoras do bom Jesus dos Navegantes para que Ele nos puxe para o seu barco e nos conduza sempre para águas e terras mais calmas, brandas e justas, especialmente nesse ano turbulento e repleto de FALSOS POLÍTICOS.
  • Lula Seu melhor texto. E um dos mais bonitos deste segmento que eu já pode ler.
  • Emanuelle Nossa tradição é tão linda, quantos penedenses conhecem essa historia? Viveram para saber como era e ainda é doce dançar ao som das bandinhas de pifano? De saborear o fruto da nossa terra, do labor do povo ribeirinho? Deve se contar nos dedos. O povo de hoje acha que tradição é "banda do momento"
  • john santos silva belissimo texto e isso ai mesmo quando se trata de festa de bom jesus e a festa dele fica provavel que amutidao nao atras de grades bandas essim do glorioso bom jesus dos navegantes fica ai um lerta vamos envistir mais em seus politicos.
  • Roberto Cidade de Penedo Sul do Estado de Alagoas onde só passa na mídia Nacional, com suas fraquezas de um povo forte, generoso, e inquieto onde a Festa de Bom Jesus dos Navegantes merece mais, na qualidade e na divulgação mirabolante,onde ja começa a se conta os dias para que se aproxime a outra.
  • Roberto Penedo Cidade alagoana conservadora, antiga que quase não se anda, com formulas que não faz mais a receita funcionar, porque ? tenho culpa de esta escrevendo isso: não ! Temos uma Piscina Natural no quintal de casa que no fundo vejo a Cidade de Neópolis, e as canoas indo e vindo quem não queria uma
  • glebson bispo franco olha a festa de bom jesus, pode não vim ninguem, mais ela por se só é magestosa, o que nos precisamos é um olhar mais forte para nossas tradição esta festa é como se fosse o marco de penedo. era bonito a missa do galo e de ano que era campal na festa, não sei quem tirou, mais foi uma pesima ideia.