Martha Martyres

Martha Martyres

Radialista, diretora da rádio Penedo FM, âncora do jornalismo no Programa Lance Livre

Postado em 09/08/2011 16:34

E pode dançar?

Nesses dias resolvi resgatar do velho baú da família as pequenas lembranças da infância dos meus filhos. Quero fazer em uma parede lá de casa uma galeria diferente, daquelas para olhar, rever, lembrar, reviver... Aí comecei a separar as páginas manchadas de tinta com a impressão das mãozinhas e pezinhos feitos na escola com o tradicional “mamãe eu te amo”, os Diplomas de Mãe, mensagens de aniversário, de natal, os bilhetes... Os bilhetes são o máximo: “mamãe, você é a melhor mãe que eu tenho no mundo e quando eu lhe vejo, meu coração bate tum tum” , um barato! Tudo escrito com aquelas letrinhas trêmulas das primeiras incursões na caligrafia, mas, claro, também, aqueles bilhetinhos da época de rebeldia sem causa, do tipo “ninguém me ama, ninguém me quer, vou embora, deixe eu viver minhas próprias experiências”, etc...,etc...etc...

Tem os desenhos dos meus artistas, aqueles em que sou retratada em um linha reta na vertical, quatro transversais formando pernas e braços e um círculo cheio de garranchos no topo que mais parecem uma imitação da cabeça da Medusa. Tudo muito artístico!

E de lembrança em lembrança, fotografias, viagens no tempo, chego aos netos.
Netos. Cheguei à conclusão de que eles deveriam nascer primeiro, porque ser avó é uma das melhores coisas da vida.

Avó não é ser mãe duas vezes como dizem por aí. Ser avó é ser uma mãe mais preparada, mais sábia, mais consciente, resolvida, sem os medos, as carências e as obrigações que atrapalham o relacionamento entre mãe e filhos.

Acho que é por isso que nossas filhas e filhos nos chamam quando estão sem saber o que fazer com os seus próprios rebentos.

Lembro de uma das vezes em que minha filha Yanne recorreu à minha “sabedoria” de avó: Martinha, minha neta, freqüentava a alfabetização na escola Jean Piaget e chegou em casa aos prantos porque aprendera que as pessoas, assim como os animais e as plantas, nasciam, cresciam, reproduziam e morriam.

Pronto. Foi o suficiente para que ela se desesperasse porque “não queria que papai morresse, mamãe morresse, tia Lú morresse, tio Binho morresse, tio Rodrigo morresse, vovó morresse...” e toda a família de norte a sul, de leste a oeste.

Eram nove da noite e eu estava no Oratório, com minha amiga Vilma, tomando um vinho, batendo um papo descontraído, quanto toca o telefone. Yanne estava em pânico. Aleguei que não era hora, que a responsabilidade era da mãe e do pai, mas, mesmo assim conversei com ela por telefone.

Não resolveu. Os soluços do outro lado da linha deram o tom da noite que os pais passariam. Assim foi. Dia seguinte, no intervalo do programa, liga Yanne. Martinha não havia ido à escola porque não queria sair de perto dos pais com medo que eles morressem e continuava chorando.

Findo o Lance Livre, lá vou eu, a vovó, cheia de conjecturas sobre como abordar o assunto morte para uma menina de quatro anos.

Gastei todo o meu compêndio. Já estava perdendo a paciência que não tenho, quando desabafei:

- Olha Martinha, quando eu morrer, não quero ninguém chorando no meu enterro. Pelo contrário! Já falei com meus amigos Roseval e Germano e eles vão botar os dois trios elétricos na rua. Você pare com essa presepada porque todo mundo tem que morrer um dia!

Então ela levantou a cabecinha loira do meu colo, passou a mãozinha nos olhos para afastar as lágrimas e perguntou:

-  Vai ter banda vovó?

E eu confirmei.

- E pode dançar? – questionou.

Fiquei atônita e surpresa por ser substituída tão facilmente por uma banda no trio elétrico, respondi que sim.

- Então está bem – disse ela – pode deixar que eu não choro mais!

E dirigindo-se à mãe, determinou:

- Amanhã eu vou para a escola. Avise o Valfredo.
 

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  • ANNY BRIGADEIRO BELAS PALAVRAS...TE ADMIRO MUITO MARTHA PELAS DEDICAÇÕES Q VC TEM PELOS SEUS NETOS... TBM TINHA UMA AVÓ ASSIM! SÓ Q INFELIZMENTE ELA SE FOI. E HOJE ME EMOCIONO COM SUAS PALAVRAS PQ Ñ TENHO AQUELA AVÓ AMIGA Q EU TINHA...
  • Pedro Soares Como diz o baiano, ARRETADA essa história, valeu vovó.
  • eteitora Martha vc e uma previlegiada por ter vivido tudo isso e poder nos contar com essa riqueza de detalhes.. Essas são as verdadeiras riquezas.Que vc possa nos contar as histórias dos seus bisnetos daqui a uns anos Obrigada Abraco
  • maria clara Martha você como sempre é uma mulher retada gostei também quero trio eletrico, banda, capeteiro e muita cachaca todas as pessoas que eu conhecer e não conhecer também pode participar da festa eu só faço um pedido quero ser enterrada mais faço questa de ir vestida em calcinha o respo do copor pode ficar de fora mas lá não kkkkkkkkkkk