Os Pacientes perderam a paciência!!!
Depois de tantos anos atendendo pacientes em postos de saúde, aprendi que jamais serei capaz de resolver satisfatoriamente todos os problemas de saúde daqueles que me procuram, porque além de minhas limitações “humanas”, existem as limitações dos serviços públicos com suas deficiências, resultantes de más gestões e dos problemas sócio econômicos deste país.
As necessidades dos pacientes vão muito além da consulta médica, pois se os complementos como remédios, materiais e equipamentos para procedimentos, marcação de exames e de consultas especializadas não estão disponíveis, a consulta torna-se ineficaz. Soma-se a esta situação, a falta de saneamento básico, coleta de lixo e alimentação adequada, importantes no processo de adoecimento, assim como uma educação de qualidade, importante para a paciente ter acesso às informações sobre sua saúde. Distribuir panfletos e pregar cartazes informativos em serviços de saúde, onde os usuários nem assinam seus nomes, é perda de tempo e dinheiro. Têm mais resultados as palestras e reuniões com a comunidade, apesar de ser impossível realizá-las enquanto quarenta pacientes aguardam consulta na sala de espera e o gestor da saúde local exige “quantidade” de atendimento.
Promover saúde sem educação é muito difícil, orientar coisas simples como os horários de medicamentos, demanda paciência e tempo, não adianta dizer apenas: “tome este remédio de oito em oito horas”, pois ele só vai tomar às oito da manhã e às oito da noite. Orientar, por exemplo, um idoso que faz uso de três tipos de anti- hipertensivo mais dois de medicamentos para diabetes, além de um para o coração não é uma tarefa simples, os agentes comunitários ajudam muito na orientação, mas quando não estão disponíveis os pacientes ficam a mercê de algum parente ou vizinho, nem sempre com entendimento suficiente para a tarefa.
Certa vez, orientando uma paciente sobre a dieta adequada para seus problemas de obesidade, achei de dizer que a mesma precisava de “educação alimentar”, então meio constrangida, ela respondeu: “É mesmo doutora eu sou mal educada pra comer, vou comer mais devagar e diminuir o prato”!
Há alguns meses atendi num posto de saúde uma menor de 16 anos que antes de me dizer as queixas, me entregou uma carta de duas paginas, e disse: “escrevi tudo, para não me esquecer de nada”. Transcrevo abaixo alguns trechos:
“Escritura de tudo que sinto
Quais são?”...Descreve então várias queixas, de todos os tipos, em 16 linhas, finalizando assim:
“ Eu estou aqui hoje porque eu quero que todos esses problemas que sinto sejam curados, porque eu vim aqui ser atendida de verdade, porque meu caso é muito grave, só eu e deus sabe como estou mim sentindo. Por isso eu quero que meus problemas dessa vez sejam resolvidos, porque se conte as vezes que venho mim consultar e nada é resolvido e eu sempre do mesmo jeito. Será que nenhum médico daqui sabe resolver nada, espero que essa seja a ultima vez que eu venha tentar resolver meus problemas, porque eu já não agüento mais. Espero que dessa vez eu saia daqui feliz com tudo que preciso. Você hoje é minha única esperança. Deus queira.”
Apesar de tantas queixas, a menor à avaliação clinica apresentava um bom estado geral, mas devido a sua evidente ansiedade, falei: “como é sua primeira consulta comigo, vou tentar resolver alguma coisa, mais resolver tudo hoje é impossível, porque serão necessários exames”. Estou aguardando estes resultados de exames há mais ou menos cinco meses e a paciente ainda não retornou com os mesmos.
Esta situação serve para ilustrar a carência do paciente em ser ouvido, mas nos coloca no dever de suprir todas as suas necessidades, enquanto o poder publico não faz a sua parte. Os problemas na saúde são muitos e nós médicos também somos culpados, quando aceitamos trabalhar em péssimas condições.
Na persistência de tantas “farturas” (falta tudo), os médicos perderam o estimulo e os pacientes a paciência com as consultas muitas vezes infrutíferas, mas ainda com a esperança de que o médico, sozinho, “resolva tudo”, possível apenas quando DEUS QUISER!
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