Jean Lenzi

Jean Lenzi

Ator, dramaturgo, encenador teatral e ativista cultural

Postado em 03/02/2011 10:12

“Usufructuários do Caos”

O Jornal Gazeta de Alagoas trouxe no domingo, 30 de janeiro,  em seu “Caderno B” de cultura, interessante matéria intitulada CIDADÃO INSTIGADO. O texto assinado pelo competente e querido jornalista Fernando Coelho, nos apresenta dados já conhecidos pelos que circulam nos corredores culturais do nosso Estado. E não somente por quem circula, mais precisamente, por quem faz a cultura de nosso Estado.

Lendo a matéria, foi possível perceber que ainda há muita discordância quanto às políticas culturais exercidas nas Alagoas, - “números revelam que Alagoas não acompanha o desenvolvimento nacional” informa o IBGE, numa citação do texto. Mais adiante, o jornalista nos mostra um gráfico indicador dos Municípios do nordeste que mantém legislação de proteção ao Patrimônio Cultural, e é aí que a coisa complica.

No Penedo, de há muito se fala em uma saída estratégica, consistente e eficaz, para o soerguimento turístico-cultural deste município, aqui tratado com especial atenção, e à parte a realidade debatida pela imprensa, cuja matéria instiga ao passo em que esclarece. Nosso olhar se volta para Penedo, e nela se fixa como se estivéssemos a testemunhar os últimos suspiros do poeta Voltaire que em seu leito de morte clamava “luz, luz, luz”.

Aqui, no Penedo, de modo estreito, talvez não tenhamos somente que clamar por uma ou duas luzes, mas por algumas centenas de milhares de lampiões que possivelmente nos iluminariam os juízos e nos fariam ver que estamos regressando a passos largos, e que não bastará muito para que as nossas mazelas, tão tradicionais, venham a público como já se pode observar.

Desse modo, eu trataria isso como uma ação sintomática de uma anomalia infame que é fruto de um duelo travado por agentes da iniciativa privada X gerentes da iniciativa publica. Um duelo cujo vencedor quase sempre não detém as glórias da batalha, se talvez, tiver feito uso de armas sujas, utilizado estratégias pouco honestas e unindo-se a aliados sórdidos para talvez vencer. Daí a máxima de que no amor e na guerra tudo se é permitido. E na “política cultural” também.

E de permissões a omissões, temos contemplado a Cidade do Penedo num triste samba de crioulo doido, permitindo-se navegar por rios de águas cadenciadas pelas velhas e questionáveis competências-administrativas, gerências e gestões culturais, sociais, educacionais, enfim, aquilo que deveria vir por títulos e méritos, vêm por nubladas afinidades que comungam com a velha razão de que “uma mão lava a outra e as duas lavam a alma”. E que alma!!!

Como definir a (in) gestão cultural de uma cidade que no passado abriu as portas para o descobrimento do nosso país? Como definir as várias administrações que vêm ao longo dos anos permitindo a degradação dos seus bens públicos e culturais. Esta Cidade que nasceu junto com o Brasil, foi tombada pelo Patrimônio Nacional graças aos esforços de instituições competentes e de valores incontestes. Esta cidade deve ter regras?, leis?, códigos de postura?, conselhos? E isso tudo deve ter alguma serventia, talvez até possa coibir os arrotos politiqueiros. Qual seria a finalidade de um tombamento e a delimitação de um espaço histórico se nem ao menos quem o administra respeita isso? Afinal, não e difícil ver um caminhão engasgado no centro histórico, ou talvez uma carcaça de ônibus estacionada frente à Prefeitura. Qual a serventia disso? Quem cumpre isso? Quem quer saber disso? A quem isso interessa?

Como definir o processo de esgotamento cultural pelo qual passamos? A essa triste violação e inversão de valores? O que dizer de um povo, e do governo de uma Cidade que anseia viver de um passado glorioso, mas que por uma nojenta ignorância nem de seu passado sabe cuidar? “É esta a cidade que se pretende turística”?

“Mas onde estão os homens ilustres desta cidade”? Morreram? Mas já? - Não. Eles devem estar na fila dos crachás pré-datados. Ou então foram viver na bela megalópole cidade de “Maceyork”? Perguntar não ofende.

Perguntar não por arrogância, ou falso-moralismo, ou até mesmo por falta de modéstia, não por pretensão. Perguntar não por afronta ou por desrespeito. Perguntar por ter o direito de, ainda, indignar-se diante de ações publicas que se configuram como um desserviço aos entendimentos das boas políticas de educação e cultura. Questionar uma considerável parcela desta comunidade que se preocupa apenas em deixar clara e evidente suas afinidades partidárias.

Certa vez recebi um comentário num dos meus textos que me chamou a atenção pela verdade ali explicitada num simples desabafo; eu comentava o fazer teatral penedense e um leitor me rebateu dizendo que: “se não trabalhamos para o teatro que queremos, temos então o teatro que merecemos”, talvez deva ser essa a máxima para solução de todos os nossos problemas, todos em absoluto. Calar e consentir? Ver da janela a banda passar e não cair, e não se jogar nela, não seria a certo modo um crime? Não se permitir comentar (com coerência) um fato que lhe chama atenção é o fim do que na realidade deveria ser o começo de uma possível evolução.

Ainda na matéria do jornal “Gazeta”, podemos ver depoimentos de cidadãos que interrogados sobre o que entendem por políticas culturais, se perdem em meio a conclusões frívolas, mas com certo teor de verdade. Aqui, no Penedo como diria a triste canção “o sistema é bruto”. Falar em tradição é recorrer ao clichê “Penedo, Cidade do teve, Cidade do foi” e pouco ou quase nada se tem buscado de concreto para o Penedo de hoje, do amanhã.

No passado, a démodé pão e circo animava, e a certo modo acalmava quem por ela se via envolvido. Hoje, a juventude incitada por esta política retardada, tem nisso também um critério de eleição: “meu voto é do fulano porque ele traz bandas boas”... “não, o melhor é o cicrano, ele sim é que faz as boas festas...”que nada, bom mesmo é o beltrano, ele até já prometeu animação com o forró arrasta a fraga e rasga a saia”. São coisas deste gênero, lamentavelmente reais que ocorrem por estas bandas também. São coisas praticadas pelos usufructuários do caos a que nossa vida está submetida. São os regentes típicos de um coral bufo, que acreditam “no quanto pior melhor”, e que regem as nossas leis, que ditam como, onde e em que momento deveremos dançar, e o que dançar. São estes seres que cuidam zelosamente do “seu quadrado”, e fatalmente os elegemos para cuidar do nosso.

Aqueles que alguns de nós grotescamente seguimos e levantamos suas bandeiras em troca de míseros favores. Aqueles que recebem nossa ajuda prima no instante exato em que nos sentamos embaixo de seus birôs para apanhar as migalhas que eles deixam cair. São aqueles homens comuns que a história certamente não marcará. Mas pra quem acreditar que isso só acontece aqui, que estes homens nasceram e só existem aqui. Há um engano. Aqui isso se torna mais grave, pois afinal, somos nós quem ostentamos o titulo de Berço da Cultura Alagoana.

E qual seria a saída? Já que não a encontramos, ainda, podemos recorrer a Shakespeare numa passagem da peça JULIO CESAR que em razão de seu velório é dito:
“Antonio - Romanos, Patrícios, prestai-vos toda atenção. Eu vim para enterrar Cesar, não para elogiá-lo. Pela ambição que dele foi tão próxima, há de ser condenado. Pois o mal que um homem pratica vive depois dele, o bem, quase sempre é enterrado junto com seus ossos”. (Julgamento de Cesar; Julio Cesar/ Ato III, cena II).

Sendo assim, fica uma possível reflexão para nossas ações. Chamar a juízo e condenar todos esses malfeitores que usurpam poderes e desmandam de competências e confianças neles depositadas. Ou quando nada, sair às ruas e gritar por “direitos”, como temos visto em noticiários, a juventude que ainda marcha por ideais (sem arruaça, sem violência). E se Skakespeare não for o bastante, podemos ainda contar com o patrício Gil Vicente, a reunir numa BARCA DO INFERNO todos estes agenciadores do caos.

A imaginar como se daria isso aqui no Penedo, com o testemunho vivo do rio São Francisco, com toda essa bucólica cenografia; ver partir em direção ao “inferno” (que pode estar mais próximo do que imaginamos); uma barca imponente, levando para bem longe, prefeitos, secretários, coordenadores de cultura incompetentes, artistas e críticos inúteis, autoridades eclesiásticas politicamente incorretas, autoridades policiais de caráter duvidoso, professores e vereadores analfabetos, marginais irremediáveis, eleitores incautos, contraventores. Enfim, restaria mais alguém? E se a Cidade do Penedo pertence à história, que a ela se curve na cena do bispo Dom Pero Fernão de Sardinha e dos Caetés que o teria devorado. Desta feita, não por um naufrágio involuntário, mas por um simples e bem encenado empurrão. Todos ao mar! Salve-se quem puder!
 

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  • Pedro Paulo É isso ai Janilton, comentário quase perfeito. Aconselho o amigo a ler um pouco mais para escrever correto. Leitura não faz mal a ninguém pelo contrário, ajuda a não cometer os erros primários que podemos identificar no seu comentário. \"Em\" é com \"M\"
  • janilton tavares este é o tipo de artigo que deveria de alguma forma ser lido por todos os penedenses, e pelos não-penedenses também, já que o mesmo refere-se a forasteiros que aqui encontraram um belo negócio \\\"a poliítica \\\" ou melhor desculpem-me é uma ofensa dizer que estes praticam a verdadeira POLÍTICA , pra eles uso o termo \\\"POLÍ TICAGEM\\\" , pois é o que vemos en nossa ilustre porém tão descuidada cidade. mas isso é natural, basta ver como os próprios eleitores penedenses (com raras exeções) tratam e vivem a política, são verdadeiros egoístas que se preocupam não com penedo mais sim com as vantagens e benefícios que tiram de detereminadas administrações, concluindo eu diria que nada vai mudar, nem o descaso á cultura, nem a péssima saúde, ruas esburacadas, juventude sem ter o que fazere e pior sem representatividade... en quanto nós cidadãos eleitores aceitarmos calado o que os políticos locais fazem, (ou melhor não fazem). É, MEU CARO JEAN,TUDO O QUE VOCÊ RELATOU EN SEU ARTIGO NADA MAIS É DO QUE FRUTO DA INCONCIÊNCIA DO ELEITOR E DA INCOMPETÊNCIA DOS ADMINISTRADORES E SEUS SUBORDINADOS!!!!
  • Bruno Maia Bravo , bravíssimo !!!! Parabéns Jean , quando eu crescer quero escrever igual a você !! ......\" certas canções que ouço cabem tão dentro de mim que perguntar carece como não fui eu quem fiz ? \" ( Milton Nascimento / Tunai )
  • EMERSON FEITOSA Caro Jean, Texto muito bem escrito, mas gostaria de fazer algumas observações, deixando bem claro, que também nunca estive totalmente satisfeito com o rumo que os entes culturais deram a esta cidade. Primeiro gostaria de dizer que talvez os índios não tivessem sua opinião quanto à ”cidade que no passado abriu as portas para o descobrimento do nosso país”; Como sabemos, tinha caráter meramente predatório e não civilizatório. Certamente, o que os caetés digeriram quando do naufrágio da comitiva do bispo Sardinha, foi o ”modus operandi” de um sistema de pensamento de “usufructuários” que se instalou no Brasil, também via Penedo e que até hoje faz parte de nossa mentalidade brasileira, patrimonialista e preconceituosa, consequentemente penedense desde a sua origem, e muito bem acalentada, testada e usada, durante as várias fases do “Berço da Civilização Alagoana”. Pois bem, não somos penas o fruto de “um duelo travado por agentes da iniciativa privada X gerentes da iniciativa publica”, mas ao meu ver, de uma realidade social nova, que precisa ser melhor entendida pelos entes culturais privados e estatais, principalmente, quando de investimentos e uso de dinheiro público. Mas seria muito bom, se soubéssemos quem são os ”aliados sórdidos”, e a quem eles se aliaram neste duelo contra a Cultura Penedense. Talvez os ” artistas e críticos inúteis “ queiram saber! Quanto ao abandono e degradação dos bens públicos e culturais, acho que Penedo do ponto de vista meramente arquitetônico, encontra-se razoavelmente conservado. Isso com certeza deve-se a alguma gestão passada que se preocupou com isto. Mas também concordo que ônibus engasgado e carcaças não devam transitar no velho centro. E os conselhos, as regras, as leis, os códigos de postura? Com a palavra o Ministério Público, que fica ali, bem ali, vizinho à Associação Comercial; Não acha? A imagem de Penedo sempre esteve associada à cultura, principalmente no séc. XIX, quando as condições conjunturais econõmicas lhe favoreciam. No séc. XX, ações de governo fizeram os índices educacionais, que já eram bons, mas para uma pequena parcela da população (a que provavelmente conseguia ler Voltaire) melhorarem. Penedo sempre mandou seus “filhos ilustres” estudarem na “ bela megalópole cidade de “Maceyork” “. “A démodé pão e circo animava” também no início da invenção de nossas tradições brasileiras, nordestinas e penedenses. Eis o exemplo de nossa tão brejeira “Quadrilha” , adaptada e popularizada pelos filhos não ilustres de nossa sociedade, ou seja, o povão! Filha bastarda do “Par de Quatro” dos salões franceses e para poucos no Brasil colonial, se transformou numa referência de nacionalidade! Com isto quero dizer que a cultura é feita pelo povo, e que cultura de massa sempre existiu! Essa massa que em Penedo serviu de base para o seu crescimento econômico, é quem glorifica seu passado, e não apenas os pianos tocados por ilustres filhos dos fazendeiros ricos e “estrangeiros” na cidade. Penedo sempre foi isso: Terra de estrangeiros; terra de negócio; terra de ganhar dinheiro! Os filhos de Penedo são todos filhos dos estrangeiros que aqui chegaram nos barcos ou nos chicotes, para engrandecer e tornar glorioso esse passado! Gostaria de dizer que ninguém me dita onde, como e o que devo dançar, a menos que eu o queira e que Penedo sempre foi um sambra do criolo doido; Como o Brasil! Obrigado pelo seu texto que nos faz pensar!
  • janilton tavares muito obrigado pedro! pelo seu conselho e sua muito pertinente observaçãom com relação ao hábito da leitura, já estou começando a ler mais, pois sei que é através dela que vou escrever melhor e aperfeiçoar meus comentários.
  • thyago vinnycius...poète tenebrae.... Usufructuários Do Caos fez ode da sinfonia dos desesperos Dos filhos do penedo lançados aos rochedos, Tômbolas, tombadas a tona onde se escondem As vozes atrozes de Demônios eclesiásticos ferozes Onde nasceram flores de marfim sem fim! Devorou a poesia, a musica, e dança. Aqueu as sombras obsecras, Debilitam penedo ao coma sem fim. E úmido ainda com o sangue nos lábios Brota no lugar de roseiras, verrugas Enfeltradas nas mãos calejadas... Dos avós cegos que dizem aos netos, esta cidade e bela, muito bela, Belíssima, esta cidade é acolhedora feita o barqueiro Que leva sobre o rio de Hades as alma do povo ao purgatório... Às mil e uma chicotadas...
  • Rosil Ola Jean Esta indignação é comum aos que fazem ou tentam fazer cultura. Fazer no sentido amplo não apenas participando mas promovendo ações que difundem a cultura. Quando voce se refere Penedo é a cidade do já teve ou já foi é realmente a grande verdade, mas isto nós não devemos ísso só ao poder público não, a população também tem sua parcela de culpa. Explico; No ano passado foi realizado um Festival de Canto Coral aqui em nossa Cidade e para nosso grande desgosto o público assistente foi em numero reduzido, chegando até a parecer que estavamos cantando para cantores pois a plateia era formada por coralistas de outros grupos. Falo isto sobre a musica pois faço parte dela mas musica de qualidade se fosse alguma destas bandinhas que voce também cita em seu artigo as ruas estariam cheias e conseguentemente a Unidade Emergencia, Bombeiros e SAMU teriam muito trabalho. Sei que sentes o mesmo porque já acompanho seu trabalho como ator e é muito dificil reunir publico para um evento deverás cultural. Mas custumo dizer que Cavalo de Circo aprende quanto mais gente. Por isto vamos em frente, fazendo as criticas quando nescessario, mas sempre ensinando porque agua mole em pedra dura tanto bate até que fura, e nós seremos esta água que vai continuar com a ardua missão de fazer PENEDO voltar a ser o Berço da Cultura do Estado, ou quem sabe pelo menos acordar esta criança(cultura) que dorme no berço explendido do marasmo daqueles que podem e devem gerir a cultura do municipio. Força Companeiro, porque além de NORDESTINO nós fazemos CULTURA.