João Pereira Junior

João Pereira Junior

Advogado, Professor de Direito e Membro da Academia Penedense de Letras

Postado em 15/05/2011 09:19

O Casamento Real e a" Insustentável Pobreza do Ser"

AFP
O Casamento Real e a" Insustentável Pobreza do Ser"

Os cães ladram enquanto a carruagem passa. Esse ditado me veio à mente ao ver uma reportagem sobre as pessoas que, com alguns dias de antecedência, já se encontravam acampadas numa via privilegiada de Londres para poder garantir lugar que avistasse a carruagem real dos nubentes Willian e Kate. Não posso deixar de registrar que isso me causou perplexidade, a despeito de vivenciarmos uma realidade onde as futilidades estão na ordem do dia, movendo toda uma indústria de entretenimento nocivo. Nesse sentido, quando o “BBB” ou “A Fazenda” conseguem fabricar manchetes de jornais, revistas e sítios importantes da internet; quando torcedores de times de futebol procuram se auto-afirmar em brigas pelas ruas ou pelas arquibancadas; quando a Xuxa tem status de rainha, Luan Santana é escolhido para entoar o Hino Nacional na Fórmula Indy, em São Paulo, quando o bizarro grupo Restart ganha vários prêmios musicais da MTV, por que me impressionar com a alienação das pessoas que acordaram cedo para assistir ao tal casamento real?

Definitivamente, acho que por medo; medo de constatar que a realidade já é demais para muita gente que não passa fome e nem vive prostrado numa cama. Ora, como é que algo tão fora de moda, tão destoante das ondas revolucionárias que assolaram a Modernidade e a Idade Contemporânea consegue despertar o interesse das pessoas? Além de fora de moda, cá pra nós, a família real britânica não tem graça nenhuma. São feiosos, distantes, frios e não parecem felizes. Em troca de morarem num castelo e terem títulos que pouquíssimas pessoas na Terra podem ter, deixam de ser gente e passam a ser uma instituição que dá lucro e glamour ao “reino” (é só atentar para os dividendos decorrentes de direitos de transmissão do casamento pela TV). Serão eles felizes com tantas limitações que lhes são impostas? Tenho minhas dúvidas, como a maioria dos leitores também tem.

Kate, para se tornar princesa, como todos já viram em jornais de televisão e na internet, terá de cumprir algumas exigências que vão além do razoável e, que do ponto de vista de utilidade, soa como um zero à esquerda: não poderá exercer uma profissão, não poderá carregar bolsa (algo impensável no universo feminino), não poderá brincar de banco imobiliário, não poderá comer mariscos, não poderá terminar sua refeição caso a rainha termine primeiro que ela, não poderá andar (em ocasiões oficiais) ao lado do marido, mas alguns passos atrás dele, enfim, uma miríade de tolices que nos fazem indagar se tudo isso não foi inspirado numa história da Carochinha. Mas, o que é que eu tenho a ver com isso? Nada. Absolutamente, nada.

E, por isso, mesmo não assisti ao tal casamento e creio que nenhum brasileiro tinha motivo relevante para não agir da mesma forma, portanto, volto a insistir na pergunta: por que o fascínio dos pobres de espírito por este evento, a ponto de acordarem cedinho a fim de não perder um só detalhe? Vou ousar e tentar responder: o inconsciente das pessoas é impregnado de imagens e histórias que lhes foram contadas na infância (castelos, princesas, duques, condes, cavaleiros, fadas, etc.). O que a mídia faz, ao usar a família real britânica, é mostrar às pessoas que esse mundo existe de verdade e é levado a sério tanto pelos súditos como pelo poder público, dando-lhe um ar de sanidade. Nesse sentido, se uma cerimônia de casamento mexe com o imaginário das pessoas, máxime das mulheres, o que dizer, então, da “sorte” de uma plebéia que teve a oportunidade de se unir, em matrimônio, a um príncipe que, de fato, existe?

Infelizmente, a realidade, ao que parece, está sem graça demais para muitas pessoas que não sabem o que é fome, miséria, guerra e outras mazelas, por isso, comportam-se como nômades de si mesmos ao curtir a vida alheia que está sendo contada num mundo à parte, mas que é “real”. No vazio e na pobreza espiritual em que se encontram, buscam em outras vidas, sejam reais ou até mesmo as encenadas em filmes e novelas, aplacar uma incompletude que não pode ser sarada pela apreciação da vida privada de outrem, ainda que pessoas públicas, já que o seu vazio estará sempre a sua espera quando voltar do passeio embriagante e que se esvanece em tão pouco tempo.

Realmente, a fuga da realidade é um subterfúgio dos miseráveis, dos desafortunados da sorte e dos depressivos, mas, também, é o subterfúgio daqueles que já não suportam a si mesmos. Enquanto naqueles há uma força centrípeta (a hostilidade do meio vai de encontro a suas vidas), nestes, há uma força centrífuga, é o vácuo espiritual que vai de encontro ao meio e, ali, também nada encontra, senão, na vida do próximo, uma espécie de mendicância existencial da qual não têm a menor consciência. É lastimável e é impressionante.
Não imaginava isso, mas a humanidade ainda consegue me assustar. Parodiando Milan Kundera, eis “a insustentável pobreza do ser”.

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  • Eliene Mello Parabéns! Mas infelizmente, a maior parte do ser humano, vive de fantasias dos contos de fadas, das vidas que não lhe pertecem, porque precisam pra sabreviverem. Somos criados com essa cultura. Reverência ao poder é uma questão ainda de status . Ser honesto, trabalhador, não é visto como bom exemplo. Eliene Mello
  • Roberto Como mortais, é o que nos resta para chegar ao nada e a nossa diferença não faz a diferença.
  • Bom Estes seus comentários seriam relevantes em um país como o Brasil, onde a nossa República de farsantes vive nos pilhando desde 1889...A Monarquia e o Poder Real sustentam a Inglaterra, um país de primeiro mundo, ao contrário do nosso...Dos 10 países mais ricos do mundo, sete são monarquias; os 10 mais pobres são repúblicas! Lamento que você tenha uma visão míope da realidade. Deveríamos lamentar o dia em que nos tornamos República, um sistema falido que tem levado o nosso povo a um desastre e à miséria.
  • João Pereira Júnior Prezado \\\\\\\\\\\\\\\"Bom\\\\\\\\\\\\\\\", a questão central do artigo não é sobre se a monarquia é ou não a melhor opção. Se vc enxergar melhor, minha preocupação é comportamental, psicológica e, não, política. Mas, já que vc falou em política, a sua lista em nada prova que a monarquia seria melhor para o Brasil, não só pelo fato de que quando a monarquia ruiu, em nosso País, teve como causa a sua própria insustentabilidade, pois havia perdido apoio da base latifundiária e militar pela péssima administração (extremamente autoritária) e nada habilidosa.Vale a pena lembrar que o Brasil era agrário e atrasado, ou seja, sob o pálio da monarquia o Brasil ia muito mal. Na verdade, fizemos a mesma opção que os EUA, simplesmente o país mais poderoso do mundo, deixando claro que a cultura de um povo é determinante para a sua prosperidade, não importando se monarquia, república, enfim. Se a monarquia fosse ruim para Grâ-Bretanha, já teria caído há muito tempo, se não caíu é porque é positiva política e economicamente falando, de modo que o tal casamento real, para eles, é importante, sim, já que reoercutirá no futuro do Reino, mas, para nós, não. Em suma, vc, por quatro vezes enxergou mal as letras do texto: a primeira, quando não entendeu o leit motiv do artigo; a segunda, quando entendeu que meu artigo faz apologia ao fim da monarquia na Grâ-Bretanha; a terceira quando acredita que a monarquia é a panacéia política para o mundo e, finalmente, a quarta, quando não entendeu a frase \\\\\\\\\\\\\\\"fora de moda\\\\\\\\\\\\\\\". Não se engane, quando eu escrevo \\\\\\\\\\\\\\\"fora de moda\\\\\\\\\\\\\\\", pois refiro-me a nós, brasileiros, e à esmagadora maioria das nações mundo a fora, não aos bretões. Quanto às tolices que eu mencionei, não retiro uma só palavra, pois são tolices sim. Assim sendo, só podemos extrair uma conclusão disso tudo: realmente há uma miopia, afinal, quatro vezes num só texto não é um número desprezível.. Saudações.
  • Bom Prezado João Pereira Júnior, concordo com vc quando fala sobre os modismos, pois infelizmente o nosso povo, por falta de um referencial positivo, adota as modas de outros países, principalmente da atual potência hegemônica. Por que será que os argentinos nos chamam de \'macaquitos\' ??? Em suma, há um vazio atualmente nas pessoas, fruto, talvez, da solidão e do sistema perverso em que vivemos. Quanto aos seus comentários sobre a monarquia haver perdido apoio dos latifundiários e militares pela \"péssima administração\" demonstra, no mínimo, um conhecimento distorcido da história de nosso país. Talvez vc tenha ouvido falar da \"Doutrina Monroe\" e do \"Destino Manifesto\" dos EUA, que influenciaram os republicanos, principalmente os jacobinos, xenófobos da pior espécie. Se no Império havia estabilidade, instituições estáveis e respeito à coisa pública (res pública), o mesmo não aconteceu na República, a saber por um dos primeiros atos do Marechal Deodoro da Fonseca: dobrar o seu próprio salário. O 15 de novembro foi isso....um triste golpe militar que, após mais de 120 anos ainda nos coloca em um patamar inigualável de atraso, descaso, desrespeito e pobreza. Mais uma vez, lamento pelos seus comentários infelizes. Esse Império, o Dragão do Sul, que vc chama de \"agrário e atrasado\" e onde o Brasil ia \"muito mal\", possuía a segunda maior Marinha de Guerra do Mundo; a imprensa nunca gozou de tanta liberdade e o Imperador D. Pedro II reinou por quase meio século, consolidando o país-continente que possuímos hoje. Recomendo fortemente a leitura e a reflexão para o entendimento da importância da Monarquia no nosso país; mas por favor, evite aquelas leituras de cunho marxista-republicanas. Isso, definitivamente, está \"fora de moda\".
  • JOÃO PEREIRA JÚNIOR Olá, Bom. Fico felizpelo fato de vc ter lido e interagido. Isso significa que, de algum modo, o texto lhe chamou a atenção, seja positivamente ou neativamente. Percebo que, no mínimo, vc gosta de História e, por isso, mais uma vez, parabéns. Quato à questão por vc suscitada, considero muito difícil especularmos, a essa altura do campeonato, se teria ou não dado certo a monarquia em nosso Brasil. Tudo o que viermos a falar não passará de mera aposta, concorda? Obrigado pelos comentários e, sempre que possível, continue interagindo, será um prazer. Quanto à minha leitura, não tenho afinidade com publicações marxista ou marxiana (agora tem mais essa), nada obstante alguns professores que tive na universidade. Até mais.
  • Zuildson Ferrreira Alves Todo ponto de vista e\\\\\\\' a vista de um ponto.Karl Marx,um dos maiores pensadores de todos os tempos,amado por uns e odiado por outros, mas sempre presente.Deixou uma obra fundamental para compeensão de como funciona o capitalismo e novos rumos    para um sistema mais justo.Economista,Sociologo,Filosofo,etc.    
  • Bom Prezado João Pereira Júnior, agradeço os seus comentários e o parabenizo pelos excelentes textos. Obrigado também pela oportunidade deste pequeno debate. Muito sucesso e felicidades.
  • O PESCADOR Na verdade, o que uma nação realmente deve ter é uma boa educação para assegurar que um sistema venha a dá certo, isso é um critério indispensável para consolidar o objetivo almejado, pois, com este instrumento é mais provavel que se chegue ao ápice do objetivo independente do sistema escolhido. Sabemos que os corruptos se encontram em qualquer nação, em maior ou menor grau, porém, a educação de uma nação é um fator prepoderante que impussiona para mover de maneira mais abrupta a renegação deste fato \"corrupção\". Sabemos também, e melhor do que ninguém que a corrupção é o câncer que vem destruindo muitas nações. Portanto, eu acho que essa questão comportamental e de um sistema seja ele Democracia ou Monarquia é uma assunto muito relativo!
  • Gabriela Gostei muito do que li,porque veio de encontro com o que penso.Liguei a tv de manhã,e só se via a transmissão do casamento,como se fosse mudar as nossas vidas aqui.
  • JEAN LENZI João você é formidável! Texto muitíssimo interessante! Parabéns!
  • Maria Núbia de Oliveira Enquanto na Inglaterra as carruagens de luxo, as coroas cravejadas de diamantes, os títulos mais elevados, são uma constante e impulsionam o país, economicamente, no Brasil, o carro de bois, a carroça conduzida pelo jumento, o agricultor, o professor e outros, tentam girar a roda atolada na lama da injustiça... Vamos lá Brasil, sem coroa, sem rei, sem carruagem, vamos tentar fazer o moinho girar!