João Pereira Junior

João Pereira Junior

Advogado, Professor de Direito e Membro da Academia Penedense de Letras

Postado em 22/02/2011 08:26

Era para torcer para o Murici ou para o Flamengo?

Era para torcer para o Murici ou para o Flamengo?
Presidente do Murici é sócio do Flamengo

Testemunhamos neste mês de fevereiro uma visita do Flamengo às plagas alagoanas. Foi por ocasião de uma partida válida pela Copa do Brasil, competição que, de forma inclusiva, permite confrontos tipo “Davi e Golias” pelo país afora. No caso em tela, o jogo foi contra o alviverde da zona da mata, o Murici, atual campeão alagoano. Resolvi escrever esse artigo não por força do insólito confronto, ou pela forma como atuou o time alagoano durante o primeiro tempo em que poderia ter feito, pelo menos, um gol; não, não foi nada disso que me motivou. Contudo, as divergências em torno de para quem deveríamos torcer, apimentada pela paixão confessa do presidente do próprio Murici pelo Flamengo, deram vazão a essas linhas.

Alguns sentiram vergonha ao verem os alagoanos lotando o Rei Pelé não só para o jogo, como para acompanharem o treino do Flamengo, também. Cobraram a nossa fidelidade ao Estado e fizeram comparações com os times nordestinos de capitais maiores como Recife, Fortaleza e Salvador, onde, lá, os torcedores são fiéis aos seus pavilhões. Outros, loucos pelo Flamengo, davam de ombros para tais observações e se antenavam apenas ao grande acontecimento futebolístico.

Peço vênia para discordar do ponto-de-vista dos detratores dos alagoanos/flamenguistas em relação a esse fato. À primeira vista, o discurso alagoanista soa persuasivo, tanto pela pretensa valorização de nossa terra, quanto pela alegada falta de autenticidade de se torcer por um clube tão longe e de um lugar tão diferente. Contudo, lançando um olhar mais perscrutador, fazendo-se uma leitura diagonal e sondando as entrelinhas do acontecimento, vejo que assiste razão ao torcedor, seja do Flamengo, seja do Murici quanto à sua escolha, sobrando o equívoco para os críticos, ainda que bem intencionados.

Ora, o bairrismo de que estamos precisando não passa por este viés esportivo, afinal, o futebol está entre as coisas mais sérias dentre as menos sérias e, se é assim, porque misturarmos orgulho, bairrismo, brio ou coisa que o valha com esse assunto? De antemão, aviso que não sou avesso ao futebol, ao contrário, fui assíduo praticante de salonismo e muito me alegra ter feito parte de um dos melhores times do Baixo São Francisco, comandado pelo nosso maestro Givaldo (Juquinha) no início dos anos 90 com quem aprendi valores que me instruem até hoje (saudosos Jogos da Primavera). Mas, voltando ao assunto, a falta de adesão dos alagoanos ao time do Murici, naquela partida, não teve e não tem nada a ver com falta de lealdade ao nosso Estado, mas teve e tem vazão na porção lúdica que há em todos nós. Essa ludicidade não está preocupada com fronteiras, circunscrições geográficas, etnias, ou qualquer outra delimitação. A sua atenção se volta apenas para o seu objeto de admiração sendo indiferente a que país ou Estado pertence, como acontece com os milhares de ferraristas pelo mundo afora que, independente de sua nacionalidade, onde houver uma corrida de Fórmula 1, lá estarão eles prestigiando a escuderia de Maranello.

Confesso que já me indignei muito com essa questão de um alagoano torcer contra um time alagoano em favor de um paulista, carioca, enfim; hoje, não mais. Depois que aprendi a não levar futebol a sério (a não ser que eu vivesse dessa prática esportiva), percebo que o que faz um povo ter orgulho de seu Estado não é ser bairrista no esporte, mas no civismo, na política, o verdadeiro lugar onde se podem operar as mudanças necessárias a um povo. Não adianta tapar o sol com a peneira, fazer “bico doce” para o Flamengo ou qualquer outro grande clube apenas para dizer que temos tanto orgulho de sermos alagoanos que, aqui, não se torce para time de fora. Puro exagero! E aí? O que é que vamos ganhar com isso? O reconhecimento da imprensa carioca ou paulista que vai voltar impressionada com Alagoas? Claro que não! Alagoas não vai mudar a sua imagem por conta de uma partida de futebol. Nem o ASA sendo campeão da primeira divisão mudaria alguma coisa. Ora, até 1994 o Brasil já havia ganho quatro copas e, na esfera política, não era tido como um país sério e decisivo, contudo, após a arrumação econômica iniciada na data acima citada, passamos, de uns quatro anos para cá, a atuar no cenário político internacional com desenvoltura. Isso, sim, é que faz a diferença e, não, ficarmos mendigando reconhecimento ou fidelidade em entretenimento esportivo.

Enquanto se cobra uma torcida pelo Murici, por que não cobrar uma torcida por Murici? A ESPN Brasil (canal esportivo de tv por assinatura) esteve lá e fez uma reportagem sobre a cidade de lona em que vivem os moradores vítimas da cheia. Dentro de cada cabana daquela, segundo depoimento de uma entrevistada revoltada com o abandono em que se encontravam, a temperatura pode chegar a 58 graus, de acordo com uma medição que foi feita recentemente! Portanto, a imagem que foi levada de Alagoas, como já é de costume, meus caros, foi essa. Flamengo, Murici, ASA, Sport, são detalhes de somenos importância dos quais podemos viver sem eles, contudo, dignidade, essa não vivemos sem. Enquanto estamos indiferentes com esses desafortunados da sorte que vivem em cabanas, esforçamo-nos em discussão sobre se não era melhor ter torcido pelo Murici, enquanto o Brasil, por meio da reportagem, via a nossa indiferença com a Murici. Quanta inversão de valores!

O esporte aproxima os povos em virtude do idioma comum que adota e a sua plasticidade deve ser admirada independente de quem está se apresentando, pois é o gênero humano quem está na berlinda. É preciso assumirmos uma visão planetária quando o assunto for cultura e esporte. Sinto saudade de quando o europeu aplaudia as jogadas de efeito da seleção adversária. Sinto saudade de uma época em que o drible era encarado como talento e não como deboche. Garanto que se Alagoas fosse um Estado forte na federação, pouco ligaríamos para o fato de termos conterrâneos admiradores do Flamengo, torcendo contra o ASA, o CRB, o Penedense, etc., etc.; no máximo, “tiraríamos uma onda”, o que nos mostra que o problema é tão somente de uma auto-estima avariada. Observe em Porto Alegre. O torcedor do Grêmio torce a favor de qualquer time que venha a jogar contra o Inter, pois não é o Rio Grande do Sul que está em discussão. Isso é apenas um jogo de bola! Toma-se partido apenas de um clube e não de um Estado ou de um determinado povo.

Nesse sentido, todos nós temos o direito de admirarmos quem quisermos. Temos nossos motivos para torcermos por nosso clube, seja ele qual for, e o motivo vai desde ao fato de ser o único time da cidade (como é o caso do Penedense), até à história de glórias e estilo de jogo atraente que o time detém (como é o caso do Barcelona). Infelizmente não há no cenário alagoano times que despertem paixão a ponto de ultrapassar as fronteiras de seu próprio município, ao contrário dos grandes times nacionais que fizeram por merecer esta admiração. São detentores, muitos deles, de títulos continentais e até do sonhado título mundial. Foram e são passarela de grandes jogadores, alguns, verdadeiros artífices da bola, como é o caso de Pelé (Santos), Ronaldinho Gaúcho (Grêmio e Flamengo), Ronaldo Fenômeno (Cruzeiro e Corinthians), Rivaldo (Corinthians), Romário (Vasco e Flamengo), e tantos outros.

Um fato despercebido por nós é que, há mais ou menos 25 anos, nossa opção televisiva era tão somente a Globo e a Bandeirantes. Desse modo, o campeonato carioca era a grande atração, depois do brasileiro, daí a grande preferência do nordestino pelos times do Rio de Janeiro, sem falar que transmissões de jogos de times locais somente vieram a acontecer há pouquíssimos anos e, no entanto, a maioria dos torcedores é forjada em frente ao televisor e não no estádio de futebol.

Não se enganem aqueles que acreditam que em Salvador, Recife e Fortaleza é pequeno o número de torcedores de Flamengo, Vasco e Corinthians, e a explicação para isso é, por um lado, a inexpressividade dos times destas cidades e, por outro, a história de glamour dos verdadeiros grandes times brasileiros. É lamentável que cidades tão grandes e com poder econômico inegável como estas tenham times tão pífios e tão sem importância no cenário nacional (Sport, Santa Cruz, Náutico, Bahia, Vitória, Fortaleza e Ceará), frequentadores assíduos da 2ª, 3ª e, agora, da 4ª divisão, como é o caso do Santa Cruz. Tiremos estes times “de faz de conta” da história e somente três títulos serão suprimidos e, ainda assim, um desses títulos (o do Sport) é altamente questionável como é de conhecimento geral.

Se naquele jogo entre Murici e Flamengo era para termos vergonha de alguma coisa, miremos nossos canhões para banda alagoana que executou o Hino Nacional. Parecia uma banda de pífanos em que só sobressaía o som de um clarinete, deixando no ar uma melodia aguda, fanhosa que mais lembrava um pato gripado. Disso ninguém falou.
O fato é que cada dia mais receio por Alagoas, pois quando o futebol passa a ser tábua de salvação para o orgulho de um povo, é sinal de que esse povo já não tem muito a oferecer.


 

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  • alienado Então a vergonha é valorizar sua origem e ter o mínimo de noção do ridículo? Copa do Brasil, é disputada pelas melhores equipes de cada estado da federação, ou seja os estados membros medindo força. Não é questão de despertar um sentimento por um clube local e sim de fazer uso da musa razão. Para o Flamengo foi apenas mais um partida, para o Murici era o inexpressivo clube alagoano enfrentando um titan do futebol. Aí quando temos oportunidade de mostrar um pouco de nosso valor, apresenta-se uma submissão degradante, resquício da cultura colonial. Talvez, se nosso futebol fosse bem sucedido não devêssemos ter essa preocupação, entretanto temos um esporte ofegante, reflexo de nossos fracassos em outros meios, como econômico, social, político...E eu como jovem ainda carrego esses devaneios, de poder mudar essa triste realidade de meu estado e pode crer não me atenho ao futebol. O pior de tudo isto é a facilidade de dominação por parte das grandes forças de mercado -futebolístico, neste caso- em relação aos tabaréus que acreditam por exemplo na balela de\\\"times nacionais\\\", \\\"nação rubronegra\\\". O sucesso desse grupo restrito de clubes grandes, representa a decadência das equipes regionais, são os agentes de mercado desprendando o indivíduo de suas origens afim de atneder seus mais sórdidos interesses.
  • Aronaldo Júnior Parabéns João, comentários como esse devem esclarecer a mente de quem ainda está com dúvidas. Muito sábias suas palavras. ...e Flamengo é Flamengo!!!
  • Boleiro Bem, face a todo o exposto, não há o que se comentar.. Resta-me dizer: Parabéns!
  • Ricardo Teixeira Quam disse que a Copa do Brasil convoca o representante do Estado? Ela reúne os campeões e isso não quer dizer, de forma alguma, que seja o representante do Estado, a não ser que se diga que representante é o que se credenciou por ter sido campeão. Contudo, dizer que o jogo entre Flamengo e Murice foi um confronto entre Alagoas e Rio de Janeiro é ridículo. Esse tipo de confronte só pode haver no caso de seleção alagoana x seleção carioca, aí, sim, é possível. Dizer que o Inter foi o Brasil em Tóquio, no Mundial, é outra balela. Tanto é balela que há jogadores da seleção brasileira que já jogaram contra time brasileiro na final do mundial. Venhamos e convenhamos, o cara que escreveu nesse artigo colocou um ponto final nessa questão. Fui!!!
  • Ricardo Nem li. Se esse texto todo foi pra defender os mistos, você simplesmente se passou por ridículo.
  • justiça na verdade muitos alagoanos tem vergonha de mostrar suas origens , deviamos apoiar o murici , mas infelizmente , deram valor a um time de fora que é o flamengo, mesma coisa seria se o penedense jogasse com o flamengo em penedo , seria lotado de torcedores do flamengo oq seria uma vergonha pra todos os penedenses , ams infelizmente é assim a mente alienadade muitos , que o sistema capitalista nos impõe .
  • silvio leite borges Infelizmente ainda, são com esses pensamentos, nós Alagoanos ,como povo provinciano, diferentes de mentes mais evoluidas e estados mais desenvolvidos, como Pernambuco, Bahia e Ceara, que valorizam o que tem, independente de qualquer divisão, está ai o Santa Cruz, que coloca 50 mil torcedores serie D.meu unico time CRB.
  • Marcelo M. A. João Pereira parabéns pelas palavras! Agora sobre banda que executou o hino do Brasil, diga-se de passagem, possui músicos consagrados em todo o nordeste. O que deve ter acontecido é que o cidadão que estava com o microfone que com certeza é um insipiente da música colocou-o perto dos instrumentos de palheta, por isso é que tivemos a impressão de uma melodia aguda.