João Pereira Junior

João Pereira Junior

Advogado, Professor de Direito e Membro da Academia Penedense de Letras

Postado em 30/01/2011 15:26

Preconceito em relação aos nordestinos no Programa do Gugu

Parece clichê o que eu vou dizer, mas, não é. Realmente eu estava numa dessas desesperadas buscas dedilhando canais no controle remoto tentando aplacar minha vontade de encontrar algo interessante para assistir na TV. E nesse frenesi de mudança de canais, deparei-me com o nocivo “Programa do Gugu”, um misto de idiotice, pseudo-utilidade e entretenimento de qualidade duvidosa; em outras palavras, uma bomba de alienação e má influência, seja direcionando o telespectador para o consumismo, seja insuflando-o a erotização ou, ainda, levando-o a formação de opiniões distorcidas, como é o caso desse dia em que vi o título da reportagem onde o Gugu entrevistava um artista plástico pernambucano chamado Romero Brito. O título da reportagem, portanto, foi: um nordestino de 100 milhões de reais. Não sei se o leitor já captou a carga de preconceito que há nesta frase lamentável; se não, peço humildemente que continue a leitura.

Ora, preconceito é a formação de um juízo de valor (sobre algo ou alguém) desprovido de maior averiguação, conformado apenas com as suas suposições ou conhecimentos superficiais, generalizando-se tal juízo para todas as ocorrências semelhantes. É dessa forma que boa parte dos sudestinos e sulistas agem em relação aos brasileiros localizados na região Nordeste do país. Para esta parcela, o Estados que compõem o nossa região não passam de escombros amontoados sobre a fome, a sede, a truculência, a pobreza e a desinformação. Essa ideia errônea é fruto da forma como a mídia nos tem mostrado, aliado ao fato da ignorância sudestina e sulista a nosso respeito, o que torna evidente a péssima educação que se oferece nas regiões brasileiras mais produtivas. Chão rachado e crime de mando; pobreza e analfabetismo são sintomas generalizados no Brasil. Não se trata de algo exclusivo de uma região. Assim como muitos estrangeiros acham que o Brasil é uma selva cheia de índios (ignorância acerca de nossa geopolítica), os sudestinos e sulistas também desconhecem a importância e pujança que o Nordeste já demonstra há alguns anos. Esquecem que a educação brasileira é muito ruim; a saúde é muito ruim, a segurança é muito ruim; a distribuição de renda é muito injusta, ou seja, não dá para criar outro país dentro do Brasil, tão uno em suas mazelas.

Entretanto, a mídia sudestina, a fim de ganhar audiência, embora ciente da realidade brasileira, reflete e potencializa o preconceito de sua região ao criar um título de reportagem como esse acima transcrito. Tanto assim que se se colocasse o seguinte título: um brasileiro de 100 milhões de reais, tal manchete não teria o mesmo impacto, pois brasileiros com tais fortunas não são tão raros assim. Da mesma forma se se colocasse um carioca ou um paulista, ou gaúcho, ou mineiro, ou capixaba, ou paranaense. Todavia, em sendo um nordestino, aí sim, passa a ser algo digno de se atentar, pois se aqui só existe miseráveis e idiotas, alguém que apareça com tal valor artístico e fortuna, deve ser alvo de uma longa reportagem.

O Programa do Gugu, invés de mitigar tais distorções, alimenta-as. E foi em são Paulo mesmo que tivemos, há poucos meses, exemplo de preconceito e descriminação. A própria mídia divulgou uma manifestação de uma garota paulista em arroubos na internet contra os nordestinos, culpando-os pela vitória de Dilma Roussef na corrida presidencial. Uma pobre menina, sem educação e sem conteúdo... mais uma vítima do “sudestismo”.

Entretanto, faço aqui a seguinte indagação: Seria possível tecermos algum comentário preconceituoso em relação às regiões mais produtivas do Brasil, já que temos tantas informações acerca deles por meio da mídia? Claro que sim. Nesse sentido, tomemos como objeto de nosso julgamento uma comunidade daquelas bem fechadas, constituídas por descendentes de alemães localizadas na região Sul. Para destilar nosso preconceito bastaria escrever assim:

Em pleno século XXI, existem comunidades de ignorantes no Sul do país que se isolam dentro de um arremedo de cultura germânica, longe da Alemanha e “longe do Brasil”. Como se pudessem ser autossuficientes, orgulham-se de terem sobrenomes como Scherer, Schneider, Shmidt, Hoffman, e de falarem o alemão. Vestem-se em festas populares como se estivessem na Europa medieval e não percebem o complexo de inferioridade que carregam. Não passam de brasileiros implorando para não serem assim reconhecidos, o que é uma pena, pois deixam de ser identificados com a nossa cultura e são ignorados pelos alemães que os têm por brasileiros. Ficam, assim, numa zona cinzenta de indiferença e isolacionismo, prato cheio para tolices e bizarrices. Mas, como são ignorantes, perdoe-mo-los e continuemos a esquecê-los lá em seu mundinho fechado, de imitação infantil adornado por suspensórios, botas, sanfonas e vestidos do século sei lá qual: cá pra nós, um cenário comovente de complexo de nacionalidade diversa: prato cheio para a psiquiatria, por se tratar de um comportamento coletivo. Tudo isso, não se enganem, é fruto da falta de boa escola e de leitura libertadora, prova de que a “Alemanha” que eles cultivam nessas equivocadas comunidades é de péssima qualidade.

O que eu posso está falando acima pode ser falso, verdadeiro ou parcialmente verdadeiro, já que eu não tenho conhecimento aprofundado sobre o comportamento de tais comunidades sulistas, pois escrevi com fundamento no que ouço falar e no que vejo na mídia. Como tudo está “editado”, minhas fontes não são fidedignas, por isso, não poderia discorrer de forma categórica sobre o assunto. A grande mídia, no entanto, em algumas oportunidades, principalmente em programas dominicais, reforçam as distorções, desde que a audiência esteja garantida.

Nessa esteira de equívocos o que mais me chama a atenção é quanto à ridicularização de nosso sotaque, sempre objeto de galhofa, como se fosse possível estipular um sotaque correto e outro incorreto. Ora, sotaque não fere a gramática, logo, não passa por essa avaliação. Mesmo assim, os personagens nordestinos utilizados nos meios televisivos ou cinematográficos são sempre caricaturizados, de modo que ou são ingênuos supersticiosos (romeiros, beatos, embriagados, analfabetos, etc.) ou são truculentos representados pelos jagunços, pistoleiros, coronéis, entre outros). Quando algum personagem vem a ser esperto, inteligente, só o é dentro do seu próprio universo tão pequeno, como foi o caso de João Grilo em “O Alto da Compadecida” exibido pela TV Globo. Enfim, parece que os sudestinos e sulistas se divertem com uma inferioridade que imaginam existir nos nordestinos. Talvez precisem disso para se sentirem melhor... quem sabe?

Muitos são tão alienados que interpretam como erro a forma com que alguns nordestinos palatalizam pronúncias de palavras tais como: oito (oitcho), estado (estchado) e ainda (aindja), sem perceberem que palatalizam da mesmíssima forma em palavras como tio (tchio), e dia (djia), por exemplo, mudando apenas as vogais que entre eles é sempre a letra i após as consoantes t ou d. A própria música infantiloide que o Gugu tanto cantava em programa anterior transmitido pelo SBT é exemplo dessa palatalização ao dizer: meu pintchinho amarelinho (...). Na verdade isso só revela outra constatação, pois segundo o linguista Marcos Bagno em seu livro Preconceito Linguístico, o problema não está na pronúncia articulada pelo nordestino, mas, em quem está falando e, nesse caso, quem está falando é uma pessoa “atrasada”, espécime vivo de uma “sub-raça”, como já foi falado por alguém, conclusão que, com todas as vênias necessárias, atinge o auge da estupidez.

Para comprovar ainda mais que a questão é de puro preconceito, basta atentarmos para a pronúncia do r (erre) retroflexo falado no interior de alguns Estados sudestinos em palavras como porta (poirta) e sorte (soirte). Nesses casos tal pronúncia não é considerada errada, afinal de contas, embora sejam caipiras, são caipiras de São Paulo e não do interior do Nordeste.

Pois é, caro leitor, nós já estamos GAGÁ de saber que enquanto houver tantos GUGUS, teremos de ter muito GOGÓ para denunciar tanta GOGA discriminatória.

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  • Gracinha de Souza Que texto rico de detalhes. Adorei o seu ponto de vista professor, meus parabéns!
  • vera João, que bom te reencontrar, e saber que vc continua perseguindo e lutando por seus valores, fico feliz por ter sido sua professora, bjs Vera
  • jonas Meu amigo PARABÉNS,pela materia mais acho q agente tem mais q se preocupar com outras coisas do q ta falando\"um nordestino de 100 milhões de reais\"NO MEU MODO DE INTERPRETAR FOI ELOGIO quem q tem esse valor?kkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
  • João Deyvid João, Parabéns pela excelente matéria, a discriminação é uma ferida profunda em nossa sociedade hipócrita! Abraço de seu eterno aluno! meu blog: opusdeyvid.blogspot.com (A questão étnica e a cultura pop discutida num só lugar)
  • Edmilson Meu caro João, acompanho atentamente suas postagens neste site, são sempre de alto nível argumentativo e com uma linguagem extremamente acessível. Parabéns. Só quero fazer uma observação. A jovem Mayara Petruso, que estimulou via internet uma campanha nazista de perseguição aos nordestinos, não é \" uma pobre menina, sem educação e sem conteúdo... mais uma vítima do “sudestismo”, ela é na verdade uma estudante do 6º ou 7º período de direito em uma faculdade paulista (que a mídia preferiu não vincular o nome da instituição à aquela aprendiz de Hitler). Portanto, alguém com um bom nível inteletual e com muitas oportunidades na vida, mas que preferiu abraçar uma conduta ideológica totalmente abominável.
  • Francisco Araújo João, parabéns pelo texto. Você foi fundo na questão, e eu concordo plenamente com a sua opinião.
  • Jaime Infeliz comentário o seu, Jonas.Não diga que \"ninguém\" vale 100 milhões de reais, pois a vida tem valor superior a qualquer tesouro.Desrespeitar a vida é desrespeitar o próximo,mesmo que \"inconscientemente\".Ao Sr. João Pereira Júnior, parabéns pelo excelente texto e pela ótima percepção.
  • João Pereira Júnior Olá, Edmilson. Obrigado pelos elogios e pela sua contribuição. Realmente eu não sabia desses detalhes envolvendo a tal garota. Contudo, quando mencionei uma \"pobre garota\" me referi à sua postura, o mesmo se aplicando ao \"sem conteúdo\" e \"sem educação\", afinal, as faculdades estão cheias de pessoas vazias e nada educadas. Ela é, portanto, é presa fácil do sudestismo alimentado pela grande mídia, a qual vai instilando nos menos críticos idéias e informações falseadas. Grande abraço e obrigado pelas palavras e pela assídua leitura dos textos que tenho enviado.
  • João Pereira Júnior Olá, Vera! Há quanto tempo!? Grande abraço. Obrigado a Gracinha (grande figura), ao poeta penedense Francisco Araújo, ao amigo João Deyvid (que a esta altura já deve está formado) e ao Jaime pelas palavras de apoio.