João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 02/08/2017 07:55

Uma estarrecedora miséria

Uma coisa é fazermos alusão à miséria, saber da sua existência, mesmo em seu extremo, outra bem diferente é nos deparamos, in loco, diante dos nossos olhos o quadro mais degradante da condição humana capaz de suscetibilizar e comover o mais adusto coração. É inacreditável vermos adultos e crianças em um ambiente desprovido do mínimo para continuarem a viver e, não obstante essa visão desoladora, testemunharmos a persistência para que não se apague a chama da vida. Não há outra explicação senão a fenomenal força do instinto pela sobrevivência. Que animal curioso o homem que se por um lado não passa de um caniço pensante, como dizia Pascal, por outro é capaz de suportar sacrifícios ao extremo e desafiar, com ímpeto aguerrido, suplícios infernais.

Casualmente, na periferia da cidade, percebendo duas crianças em frente a um casebre em deplorável estado de conservação, fomos tomados por uma grande curiosidade para saber que forma de vida abrigava entre suas paredes. Dentro encontrava-se uma jovem não menos apresentável, suja e roupa esfarrapada como as duas crianças. Era tia das mesmas enquanto a mãe esmolava para tentar algo para comerem. A figura paterna, nesse cenário, dificilmente se faz presente. Ou abandonou a família ou a mãe solteira e ingênua, teve o azar de gerar filhos com um reprodutor despido de responsabilidade e afeto paterno.

O casebre, por fora e por dentro, era uma fotografia acabada de um miserável deposito que abrigava restos de vida. Na verdade era uma sobra de antiga casa. Ao lado, no meio dos destroços, há uma goiabeira. A criança mais nova, de uns três anos, roía uma goiaba verde para enganar a fome. Não bastasse essa comovente cena que nos mergulhou na mais profunda consternação e incredulidade, completou seu clímax quando percebemos o completo vazio de tudo, nada, absolutamente nada para comer. Aproxima-se do meio dia e o fogo a lenha, que se fazia no chão, estava apagado. Oque fariam para comer? Esperar, não se sabia até quando pelo produto das esmolas. Para dar um arremate dessa dantesca realidade, o abrigo desses esquecidos da sorte contém apenas um compartilhamento no qual tudo fazem, comer e dormir. O mobiliário não vai além de dois bancos e uma pequena mesa para fazerem suas eventuais refeições. Não há sequer uma cama, por mais tosca que fosse e muito menos um colchão, dormem sobre uma esteira em um piso esburacado e servem-se de lençóis sujos e esfarrapados para se protegerem do frio.

Impossível imaginar e aceitar que a inocência de duas crianças, ausente o querer para nascer, sejam relegadas ao mais impiedoso e cruel destino. Foram igualmente concebidas como a germinação de uma semente em condições favoráveis. Hoje, fruto dessa concepção naturalmente vegetariana, não passam, consequência da causa e efeito, de vegetais em forma humana que se move e respira.

Concluída a nossa inspeção, começamos, cabisbaixos, a matutar sobre a condição humana. Vimos miseravelmente entregues aos caprichos da natureza que ardilosamente incute o desejo de sobrevivência, mesmo que não exista nenhuma razão para viver. Eis porque, comportando dentro de si os extremos, de um frágil caniço pensante, passa para o mais versátil ser vivo sobre a terra, capaz de tudo se adaptar, de suportar as mais absurdas adversidades e viver, como hábil equilibrista em um tênue fio que faz a ligação entre a vida e a morte, sendo esta estarrecedora pobreza agora narrada a mais contundente prova do seu poder de sobrevivência.
 

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