João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 08/05/2011 08:22

O Senhor Alagoas e Alagoano Desabafam

Casualmente, deparei-me com o personagem acima que, dada a sua singular postura a chamar-me a atenção, procurei dele aproximar-me para tentar uma conversa e ver se podia captar algo interessante, a seu respeito. O local era praia de Jatiúca, em Maceió. A maré estava alta e o vento soprava suavemente. Era relativamente idoso. Vestia uma roupa surrada de tecido ordinário, cor indecifrável, uma aparência arredia à limpeza e barba por fazer. Apesar dessa imagem avessa à boa aparência e higiene, dava-me a impressão de possuir uma forte vida interior, não sei se por uma disposição natural do seu temperamento ou talvez resultante do trágico a marcar a sua existência. Tinha o olhar fixo no mar de águas limpas, transparentes e esverdeadas a esbanjar toda a sua beleza. Essa contemplação, notei, dava-lhe uma paz e fazia-lhe esquecer, transitoriamente, os percalços de um destino amargo e cruel.

Despertado do seu transe contemplativo, virou o rosto e percebeu a minha presença. Aproveitei o momento, tomei a liberdade de sentar-me a seu lado e, de chofre, perguntei-lhe de onde era. Respondeu-me, calmamente, que era a transfiguração do Estado de Alagoas. Veja como estou vestido a rigor, para caracterizá-lo. Tudo resumido em total desventura. Diabos, pensei, estou diante de um louco.

Lamento profundamente o seu terrível fado, disse-lhe. Confessei a minha condição de alagoano e, como tal, sentia os efeitos da sua tragédia. Que tinha o raro prazer de saber das coisas boas a respeito dele e a desventura de suportar a monotonia de ouvir, ver e ler os mesmos discursos, as catilinárias que noticiam homicídios, desmandos na administração, malversação do dinheiro público, carências, pobreza e miséria. Você, permita-me dizer-lhe, nasceu, azaradamente, no signo da perua e, como é da natureza dela, ela só sabia cantar: pior, pior, pior! Como o pior atrai o pior, ficamos, pobres alagoanos, a lamber os lábios como crianças ingênuas, à espera do melhor, o passageiro que nunca chega. Você é um barco furado a fazer água por todos os lados. Recentemente, na mesma edição de um jornal, li duas notícias que beiram à incredulidade. A primeira, dizia da possibilidade de você ter de mandar para os estados vizinhos seus doentes, consequência do caos hospitalar. Quê absurdo! A Segunda, velha notícia cantada a La Perua, concedia aos servidores o irrisório reajuste de 5,91%. Se não bastasse isso, concedido em duas parcelas. É zombar demais! Afinal de contas, Alagoas, quando você será capaz de nos conceder o prazer de sentir os fluidos positivos da alegria, do otimismo e esperança? Se você não tem o departamento dos milagres, como disse seu vice-governador, deveria, no mínimo, ter o da vergonha.
- Você disse muito bem. Sabemos que o milagre é quase uma impossibilidade, mas não a vergonha, bem mais fácil de tê-la e sequer a temos, uma das principais causas do meu infortúnio. O que devo esperar? Se de um lado solfejo o canto da perua, pelo outro, com o sentimento da desolação, e desespero, sinto os efeitos da bebedeira do peru em véspera de Natal. Sinto que tudo está perdido.

É compreensível, meu ilustre Alagoas. Apesar dos pesares, você é respeitável pela maioria dos bons alagoanos. O xis do problema são os parasitas que infestam o seu corpo, os chamados cientificamente de piolhus corruptus que, com sua antropofagia, reduziu ou quase extinguiu a nossa sensibilidade aos seus efeitos predatórios. Notícias cabeludas a seu respeito já não nos causam indignação, mas apenas a chatice de uma música repetitiva. Isso não deixa de ser um perigo, pois, se as leis têm nos costumes uma de suas fontes, não tardará que a corrupção seja, entre nós alagoanos, letra morta no Código Penal, passando a fazer parte do rol das virtudes surrealistas.

- Meu filho, fiquei muito atento às suas palavras que, paradoxalmente, foram duramente amenas face aos males que corroem toda a minha estrutura. Tenho viagem marcada para Brasília, a fim de tentar, com o habitual pires na mão, conseguir mais recursos para os meus cofres, que muito bem são chamados de saco sem fundo. Já não faço isso como um dever, mas como um castigo eterno semelhante ao que foi infligido ao mitológico Sísifo, condenado a rolar uma enorme pedra até o cume de uma montanha. Aí chegando, a pedra escorregava até o solo e ele era obrigado a repetir infinitamente o mesmo trabalho. A verdade é que me encontro desgastado e agastado. A minha condição humana ou sub-humana sob o aspecto ético, encarregou-me de anestesiar-me o espírito. Vergonha e o amor próprio perderam-se na poeira do tempo. Sou objeto de depreciação e chacota. O que posso fazer? Os meus ouvidos, antes suscetíveis às críticas desabonadoras a meu respeito, encontram-se surdos como uma parede. Os superlativos que informam ser o mais violento, sinto ser uma condição permanente. Esta pequena amostra, entre outras, fez-me enraizar o sentimento e a convicção de que sou um ser desprezível, esquecido, abandonado pelo criador e sem qualquer expectativa de redenção. O que me resta fazer? Imagino, em meus devaneios, se as águas cristalinas que banham parte do meu corpo, não seriam capazes, após oferenda aos deuses, resgatar a miséria, incutir vergonha aos meus políticos e todos os demais pecados a mim atribuídos. E haja divagações, o único lenitivo, que à sombra dos restos mortais do otimismo vislumbra tão-só a utopia como única salvação. Fantasias à parte, cheguei a inspirar-me nas lamentações do profeta Jeremias. Procurei outro caminho, amparado na força da fé, das orações e sacrifícios.

Fui ao deserto, fiz um longo jejum, rezei aos brados que ecoavam em todas as direções, profanando a sua paz, a quietude e o silêncio. Se infinita é a sua bondade, Senhor, por que não me concede um pouco do Seu amor, o suficiente para livrar-me do infeliz carma que me persegue e secar as lágrimas do meu rosto, emanadas de perenes dores e sofrimentos? Comi gafanhotos, dormiria numa cama de pregos ou qualquer outro sacrifício que enterrasse o meu passado e começasse a enxergar uma tênue luz de otimismo e esperança. Meus negócios, como você sabe, estão entregues aos cuidados da trindade que rege as modernas democracias no mundo, isto é, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Acontece que essa trindade é bichada, tornando-se difícil saber qual delas é a que apresenta a pior decomposição. Há muito joguei a toalha no chão. Tenho a completa sensação que tudo está perdido e acabado. Como o que não tem remédio remediado está, nada me resta senão esperar o sono letal que me leve para o repouso eterno. Tchau!

Abro os olhos e desperto com toda clareza deste pesadelo sobre duas almas penadas. Na mesinha de cabeceira encontrava-se o jornal do dia. Levantei-me e, influenciado pelo pessimismo do sonho, não tive nenhum desejo ou curiosidade para manuseá-lo e o envelopei na cesta de lixo.

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  • janilton tavares IMAGINEM ENTÃO EU, QUE SOU UM JOVEM SONHADOR! Uma realidade triste, pois além de ver o que acontece de mais ruim em nosso estado e o que não mais acontece de bom e decente, vejo muito pouca perspectiva de mudança, uma vez quen, a pouca juventude consciênte sonhadora que ainda existe, já não tem mais tanto ânimo nem muito menos o atrevimento nescessário para ir de encontro á um sistema que além de podre já está enraízado na cultura da maioria dos alagoanos, pois como disse disse a colega eliene melo em seu pertinente comentrio á cima, nós vivemos em um estado e até um país onde \\\\\\\"ser trambiqueiro é ser inteligênte\\\\\\\". Imaginem a que pé está a incosciência dos \\\\\\\"alagoanos/ eleitores\\\\\\\", que pena! pois ainda sou um dos poucos JOVENS SONHADORES!!!
  • Alexandre Tancredo Pereira Ribeiro É um conto metafórico mesclado de cultura retratando a nossa realidade, pois também sou alagoano, com todos os Vs da verdade. Nada me espanta vindo de Vossa Senhoria. Alexandre Tancredo
  • eliene mello É pura realidade do nosso estado de águas cristalinas e políticos desonestos. Aqui a costituição é rasgada a todo momento. Estamos nas mãos de representantes que esqueceram do que é \"moral\". Estamos no estado onde ser trambiqueiro, quer dizer ser inteligente. Onde o poder está acima de qualquer valor moral. Parabéns!
  • gerson carlos estavá eu assistindo um dvd(pirata) tristeza do jeca -mazzaropi e vi neste dvd á atualidade de hoje dos nossos politicos,antes era os coroneis e os currais das grandes fazendas. Hoje temos pastores,delegados,advogados e escritores com tanta leitura,mais com os mesmos objetivos de manobrar as grandes massas e roubar o dinheiro do povo deixando-os sem saúde,segurança e educação e trabalho. parabens pelo artigo,pena que os jovens interneteiros não usam esta ferramenta para o seu aprendizado de cidadania.
  • fUtpZFLOiAMWwv IÂ’m not wrohty to be in the same forum. ROTFL