João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 19/01/2011 13:30

Papeando Sobre a Liberação das Drogas

Se o consumo de drogas continuar a subir gradativamente e chegar a atingir elevado e incontrolável patamar infernal, como poderá ser revertido quadro tão dantesco? Podemos imaginar algo mais terrível, assombroso e insuportável do que a imagem que nos pintam do inferno? Chegando a esse ponto, qual terá sido o tamanho do rastro de calamidades que ficou para trás? Quanto sangue e lágrimas terão sido derramados? Quantas cenas de horror teremos de suportar? Estaremos num beco sem saída e chegando a esse ponto, não há outra alternativa senão tomar caminhos extremos e arriscados. Concorda? Antevendo esse quadro, você é a favor da liberação das drogas? Não tínhamos ainda nos sentado, Plato lançou-me essa metralha de perguntas como pretexto para definir o tema da nossa conversa.

Não é fácil uma posição firme a respeito, respondi-lhe. Com a liberação ou não, as perdas serão grandes. Essa guerra não será uma guerra dos cem anos, mas do sem fim. E pergunto, o que leva alguém a fazer uso das drogas? Mesmo que saibamos as razões, que são inúmeras, não significa que a posse desse conhecimento seja um porto seguro com suficiente lastro para combater tamanha pandemia que se abate sobre a quase totalidade dos países. E o mais curioso é que o seu consumo, desgraçadamente, é o mais democrático, abrangendo todas as classes sociais.

É verdade, concordou Plato. O usuário, em geral, quer sentir os agradáveis efeitos alucinógenos. Acontece que toda moeda tem duas faces. Para alguns, no entanto, o efeito descamba para as desagradáveis consequências diabólicas das alucinações. Os prazeres em excesso, como acontece com todos os extremos, secretam os opostos, tornando-se quem boba sabe presas de uma inexorável lógica que os conduz às tentações do crime.

O curioso, observei, é que sabemos que não somente as drogas, como a cocaína, por exemplo, tem o dom de protagonizar os dramas e tragédias. O álcool, em doses exageradas e na pessoa errada, pode ensejar os mesmos males acima. Por que o álcool não é proibido? Certamente duas razões autorizam seu uso, o direito adquirido pela antiguidade e o entendimento de que o homem sente a necessidade de fugir, de vez em quando, do mundo real. Essa carência, de ordem psicológica, tem origem na curiosidade que por sua vez ganha força na proibição, que faz despertar o apetite para ser violada. Assim são as proibições, elas carregam dentro de si o destino para serem transgredidas. Se assim não fosse, a imposição das leis não tinha razão de existir.

Acho que podemos concluir, disse Plato, que a curiosidade e a tentação são as principais forças que conduzem os jovens ao consumo das drogas. Não foi exatamente a desobediência, diz-nos o Antigo Testamento, a causa da expulsão do homem do paraíso? Uma bela expulsão, vez que despertou no homem o fogo do desejo de conhecer e assim justificar-se como a coroa da criação. Não podemos suprimir do homem essa panela fervente com os ingredientes da curiosidade, tentação, dúvida e o desejo de satisfazer as tentações. Essa guerra interna termina com a rendição definitiva de alguns que afundam no vício e de outros que, tendo cedido no início, conseguem depois escalar o muro da prisão e fugir para a liberdade.

- De tudo isso que você acaba de falar, que não destoa da verdade, constitui todo o obstáculo, que me parece intransponível sem uma ousada e corajosa experiência, para o governo vencer uma guerra entre mocinhos e bandidos.

- E qual seria essa experiência? Quis saber Plato.

- Como não acredito numa solução pela força, acho que a liberação seria a única saída. E quais seriam as consequências imediatas? Certamente, o aumento do consumo. Mas seria um aumento contínuo ou logo depois arrefeceria? Haveria um meio para fazê-lo ceder? Acho que o comércio, às claras e legalmente estabelecido, o governo faria incidir sobre a venda um pesado imposto. Independente desse fator, a liberação aplicaria um golpe muito forte sobre a curiosidade e a tentação, que passaria de uma atraente diva, para uma reles prostituta.

- Você deixou de realçar que se houvesse uma tentativa de acabar com o narcotráfico na América do Sul, essa ação só teria sentido se houvesse uma união de todos os países envolvidos com o mesmo, através de uma ação coordenada das forças militares. Mesmo assim, se uma vitória houvesse, seria transitória. Os países, além de territorialmente grandes, possuem áreas de difícil acesso onde o plantio remanescente daria continuidade e tudo voltaria à estaca zero. Por outro lado, na hipótese da liberação geral, também se fazia necessário que todos os países fizessem o mesmo. Não seria interessante que o Brasil sozinho bancasse iniciativa tão corajosa. O nosso país se transformaria num aspirador de pó de cocaína e um gigantesco fumódromo de crac e maconha. O mais importante, teríamos um decréscimo de homicídios, da guerra entre gangues e destas com a polícia. Esta, por sua vez, estaria isenta de ser corrompida.

- Quando você fala na diminuição da perda de vidas por um lado, é bem provável que pelo outro exista o aumento da violência, decorrente do alto nível de consumo das drogas.

- Sem dúvida. Diz o ditado popular que não se pode fazer omelete sem quebrar os ovos. A liberação só pode ser avaliada, seja no sentido positivo ou negativo, vendo para onde pende a balança, devendo prevalecer os ganhos.

- Qual o tempo que seria necessário para essa avaliação? Somente o tamanho do impacto poderá delimitá-lo. Curto, se monstruosamente catastrófico e definitivo se suportável. É de se perguntar, vale a pena tamanho sacrifício? Acho que sim. Sem audácia e coragem, ficaremos estáticos sem qualquer horizonte de esperança.

- Um papel fundamental, imprescindível mesmo é que com a liberação, os governos federal, estadual, municipal e a sociedade como um todo se envolva, participem através do esclarecimento. A publicidade nos meios de comunicação, especialmente no rádio e televisão será intensa, inteligente e persuasiva.

- Você acha que isso será suficiente?

- Haverá sempre usuários e viciados em drogas. Mas a informação é tudo o que os governos podem fazer. O que não pode é servir de babá para os recalcitrantes e irresponsáveis com a própria vida. Devemos excetuar os problemáticos de natureza mental, emocional e os menores. Nesse ponto, lembro-me de Platão, grande filósofo mas de ideias nada humanas no campo da política, dizia ele que não cabia à república tratar de um doente que hoje está bom e logo amanhã está novamente doente, sem condições de prover a própria sobrevivência. Não indo tão longe – tomo meu último gole de cerveja – como vivemos num país democrático, todos temos o direito de escolhermos como viver e morrer, inclusive empanturrados de drogas, se assim decidirem. É preciso ter coragem de tentar e enfrentar cerrada oposição. Mais vale suportar, no início, uma enorme tragédia que imagino de curta duração, do que vê-la perpetuar-se sem o mínimo de esperança para assistir ao seu funeral.

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  • nego drama Estás completamente engabelado, elementar colunista. Donde tirastes esta tese de liberação? Nem o mais radical expoente deste tema trata dessa forma, o que se propõe é a descriminalização, da maconha, em restrito. Achas que um indivíduo em sã consciência proporia a liberação do crack? E se o fizesse a cargo de que ou quem ficaria a distribuição dos mega traficantes ou das multinacionais, do Estado? Cobrar imposto sobre a atividade danosa resolve o problema? SIM, o problema de grandes economias em crise, mas jamais o sanitário. Em \\\"A República\\\", Platão censura a propagação de más composições ou tragédias na arte. Então te aprofundas neste tema pesquisa outras abordagens solucionadoras do problema das drogas, quais os interesses por trás da \\\"liberação\\\" e só assim volta a tratar de tema tão delicado.