Maria Núbia de Oliveira

Maria Núbia de Oliveira

Escritora e poeta, integrante da Academia Penedense de Letras

Postado em 04/05/2011 09:06

Cortinas de Tijolos

Cone Freire - aquiacontece.com.br
Cortinas de Tijolos
Cais de Penedo

Debrucei-me sobre o cais, procurei o meu rio e não o encontrei. Um turista estava comigo, com uma telinha nas mãos, naquela árvore,em frente ao prédio da Marinha. Ele queria pintar uma tela em cima de um poema de minha autoria, intitulado: Rio São Francisco. Não deu certo. Ricardo foi procurar outro ângulo e eu permaneci ali, absorta, impaciente. Precisava ver o rio. Construções foram erguidas, quais cortinas de tijolos, impedindo o meu olhar de ver as águas do São Francisco...

Mas, entre uma construção e outra, deixaram um bequinho, pelo qual eu pude visualizar um pedacinho do meu querido rio. Era um fiozinho de água que acenava para mim, dizendo que se eu saísse do cais e descesse a rampa, que fica em frente às cortinas de tijolos, poderia vê-lo inteiro! Os meus minutos de contemplação estavam no fim e eu tinha outro compromisso. Aquele fiozinho de água continuou seu percurso por entre os tijolos e ainda brilhava, refletindo os raios dourados de um crepúsculo. Ricardo chegou com um esboço rabiscado na tela, todo feliz, dizendo que tinha conseguido visualizar uma parte do rio. Grande vitória! Ele viu o rio... A tela vai ficar linda, dizia ele.

Voltei para casa, aproveitando os bequinhos para me despedir do meu espelho dourado. Às vezes se escondia e reaparecia, de acordo com o movimento da minha caminhada. Talvez aquele camarote branco parecido com uma renda, já não me sirva mais. Preciso procurar outro ângulo, outro lugar para continuar assistindo o espetáculo das águas mudando de cor, em sintonia com a rotação do planeta que "geme de dores de parto e agonia", conforme o tema da Campanha da Fraternidade deste ano.

Não posso perder o entardecer, quando o dourado do pôr do sol derrama seus raios sobre as águas franciscanas. Parece que todas as minas do mundo trazem os seus ouros naquele momento crepuscular, e os jogam nas águas desse rio, transformando-as em luminosas correntes, ricas e ocultas por Cortinas egoístas, com cheiro de concreto.

O espetáculo, para ser visto, precisa de amplidão e é por isso que as cortinas se abrem majestosamente, saudando a platéia. O bailar das águas, a penumbra do entardecer, a revoada dos pássaros retornando aos seus ninhos, o pescador solitário que volta para o lar, enfim, todo esse ritual da natureza, não pode ficar oculto, envolto em tijolos, confundido com os sons destoantes, ferindo a música divina de uma despedida crepuscular. O pior é que pode. Os homens podem tudo! Até quando?
 

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  • marciel Núbia não mim canso de dizer que você é maravilhosa e extraordinária em tudo que faz.Lindo seu artigo parabens minha escritora e poeta nota 1000.
  • Alexandre Tancredo Pereira Ribeiro Ver, companheiros; todos conseguem. Mas, só uma sensibilidade privilegiada; Vislumbra os versos que se escondem; E por entre tijolos e becos brilhavam. Parabéns, Núbia. Abraços; Alexandre Tancredo.
  • Maria Núbia de Oliveira Obrigada, meu amigo! Fico feliz por ter gostado do texto.
  • MARIA NÚBIA DE OLIVEIRA Parabéns, Alexandre pelo seu belo comentário poético. Obrigada!
  • Eliene Amiga, Só uma pessoa tão especial, consegue descrever o que o coração sente. Vc e um ser iluminado de amor, solidariedade. Tudo que escreve é lindo pq sua sensibilidade é grande. Parabéns! Vc tem todas as qualidades que falta a muitos para respeitar mais o meio ambiente. Sempre será minha poetisa, escritora e amiga preferida. Beijos.
  • Marcelino Cantalice Prezada Núbia: boa tarde ! Mais uma interessante artigo produzido por você... Já o título bastante curioso. Cortina de tijolos é algo um tanto esquisito, embora você prove que não é... Toda cortina pode ser aberta. Achei mais indicada, porém, a atitude do pintor: preferiu mudar de ângulo. Foi o mais acertado e, como você mesma constatou, conseguiu um bom esboço de paisagem. Sem cortina. Contemplando a serenidade do Velho Chico. Isto nos dá uma advertência: \\\"duro com duro não dá bom muro\\\". Valeu !
  • Maria Núbia de Oliveira Meu querido Marcelino: Gostei da sua advertência e da colocação afirmando que \"toda cortina se abre.\" Mas, meu querido sábio, se a cortina é de tijolo, não se abre. Concorda? De qualquer maneira, agradeço -lhe pelo interessante comentário.