Públio José

Públio José

Jornalista, publicitário, escritor e atento observador da vida

Postado em 13/03/2010 10:57

Joga no rio!

Há tempos atrás, uma revista semanal registrou, numa matéria sobre a tendência do ser humano de causar poluição por onde anda, a naturalidade com que, em épocas imemoriais, as populações ribeirinhas descartavam lixo e produtos inservíveis pelo rio. Parece até que havia um ensinamento universal apontando para a única solução possível àquelas alturas: “joga no rio!”. Este era o brado que se fazia ouvir pelo mundo afora. Não passava pela cabeça de nenhum agrupamento humano de então que a manipulação do lixo fosse de sua responsabilidade.

Desde cedo, portanto, o ser humano acostumou-se a passar para frente, a empurrar na direção dos outros, a solução de problemas criados pela sua rotina diária. Pouco importava se, jogando dejetos no rio aqui, problemas seriam criados para outras populações acolá. O negócio era limpar a sua área mesmo que sujando a dos outros.

A realidade é que o homem desenvolveu-se através dos tempos em todas as áreas que se possa imaginar. Só não aprendeu o que fazer com o lixo. Ao que parece, a manipulação do lixo caiu naquela área da mente humana na qual a saída é fugir da responsabilidade e passar o pepino para os outros. Nada de encarar a questão de frente, de buscar solução para os problemas criados em comunidade. Por conta disso, o que se vê hoje, com raras exceções, é a quase totalidade dos rios morrendo, desfilando seus últimos instantes de vitalidade diante de uma sociedade que soube chegar à Lua, soube se globalizar, alcançar níveis nunca imaginados de desenvolvimento tecnológico, mas não sabe, lamentavelmente, se organizar em comunidade de maneira a não prejudicar a seara alheia. Tanto é que permanece, até hoje, o hábito de se desfazer de lixo e dejetos através da inércia e da passividade dos rios.

No tocante ao homem de hoje, esse hábito desgraçado de não assumir responsabilidades, de não enfrentar suas próprias demandas, não se restringe apenas a degradar rios e nascentes de água. Impera em todas as atividades onde o homem põe a mão. Na política, por exemplo, este homem aparece por inteiro, pelas mazelas causadas à população, pela má administração do dinheiro público, pelas obras superfaturadas, pela corrução, pela roubalheira generalizada. E ele nem, nem. O país afogado num lodaçal sem fim e os acusados se dizendo inocentes – e empurrando o problema para o mais próximo. Ninguém tem a hombridade de dizer “este problema foi eu que criei e vou arcar com as suas conseqüências”. Não. Não aparece ninguém com esse topete. Aparece gente de montão para enganar, para se esquivar, para encontrar saídas e esgrimir evasivas na hora de apurar as responsabilidades e apontar culpados.

Do mesmo modo que o homem de antigamente aprendeu a fazer do rio o desaguadouro natural de seus lixos e dejetos, o de hoje tornou-se mestre em transformar pessoas frágeis em verdadeiros rios, para onde são lançados seus mais abjetos projetos de interesse pessoal e carreados os dejetos mais desprezíveis do que é produzido em suas mentes. Aos mais fracos, enfim, são destinados, por essa gente sem escrúpulo, os sonhos mais egoístas e os feitos mais degradantes. Pois ao meter a mão no dinheiro público, prejudicando populações indefesas, se eximindo, além do mais, de encarar com seriedade o seu trabalho, o que estão fazendo os agentes públicos que agem assim, senão transformando em verdadeiros rios a massa humana que não pode se defender, que não pode protestar? “Joga no rio!”, parecem dizer, eternizando a irresponsável máxima de outrora. “Joga no riiiiiiiiiooooooooo!!!!” Beleza, né não?

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  • sgt sabino Belo artigo. Um problema cultural que se arrasta através da inércia e da passividade do nosso sistema educacional. Um problema de Estado onde a maioria dos nossos governantes não estam dispostos a enfrentar! Afinal, eles só pensam como políticos e não como estadistas.
  • Ederson Leite "Homo omni lupus." "O homem é o lobo do homem." O ser humano é, em sua essência, ruim e destruidor. Todos sabem das consequências da poluição, mas nada fazem. Isso parte desde atitudes simples, como jogar a embalagem da bala pela janela do carro, até as mais drásticas. O povo é mal educado sim! Façamos um exame de consciência e vamos lembrar, com certeza, daquela lata de refrigerante na rua, a sacola que rasgou e foi ao chão, o jornal que depois de lido foi descartado, etc. Moro na Santa Cruz. Quase todo dia tem coleta de lixo, seja na Fernando Peixoto ou na Duque de Caxias, mas o povo insiste em acumular lixo na esquina (num terreno da União, cercado pela Marinha)!
  • Rosiene Somos na maioria populacional do planeta herdeiros de uma cultura centralizada apenas nas pessoas que detem o "poder" politico e econômico sem tomar a consciência de que somos nós que passamos esse poder, que esta nas nossas mãos por direito e por dever. É necesserio repensar nosso modelo social que aliênia, que favorece alguns, onde esses mesmos tratam a maioria populacional como sendo algo manipulavel e sem maior importancia para a construção da sociedade, talvez a culpa seja um pouco nossa, por estarmos acostumados a passar para o outro uma responsabilidade que é so nossa.