Valfredo Messias dos Santos

Valfredo Messias dos Santos

Procurador de estado, defensor público e membro da Academia Penedense de Letras

Postado em 19/08/2014 11:00

A DESUMANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

“Age sempre de modo a tratar a Humanidade
como um fim, tanto em tua própria pessoa
como na dos outros, e nunca te sirvas dela
como um simples meio.”

Immanuel Kant

Todo educador é um sonhador e todo aquele que milita na educação vive de esperanças.

Quando se fala de humanização, o foco é o homem e a mulher como sendo sujeitos de direitos e de obrigações na forma da lei. Não somente das leis humanas, mas também das leis naturais. Todavia, a depender do livre arbítrio do homem e da mulher, as leis naturais dificilmente seriam respeitadas, daí porque houve, ao longo dos tempos, a necessidade se se criar a figura do Estado. Entretanto, nos dias atuais o desrespeito às leis, mesmo no Estado Democrático, já se tornou algo habitual em nosso país principalmente por aqueles que a própria lei assegura o status de autoridade. Não irei me aprofundar nesse viés porque várias páginas teria que escrever, basta apenas que se acompanhe o que é divulgado pela mídia. O tema que me detenho a escrever nestas poucas linhas é a desumanização da educação considerando que os governos e agora, os candidatos a gestores, reconhecem que a educação é essencial para o desenvolvimento nacional e local, mas pouca atenção tem demonstrado para mudar a realidade. Todos os especialistas falam das deficiências da educação brasileira, ai inseridas a desvalorização profissional, a questão salarial, as carentes condições para o exercício da profissão, inclusive, a falta de segurança. É corriqueiro afirmar-se que países como o Japão e a Coreia chegaram ao ápice de seu desenvolvimento depois que investiram pesadamente em educação. O mesmo acontecendo com a França e a Alemanha. Por que o Brasil tem uma visão míope com relação às questões educacionais? Para o governo essa é uma pergunta sem sentido de quem não está acompanhando a evolução da qualidade do ensino brasileiro. Vai falar do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), conhecido como PAC da Educação, do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira), da Prova Brasil, ENEM e, por certo, na recente aprovação do Plano Nacional de Educação- PNE que estabelece metas para a educação a serem cumpridas nos próximos dez anos e nele está previsto a aplicação de 10% do PIB para a educação nesse mesmo intervalo de tempo. Não resta dúvida que foi uma conquista perseguida por longos quatro anos. O que se espera é que haja um critério justo, equitativo e honesto na distribuição desses valores.

O importante não é ter somente planos, mas certificar-se se eles são eficazes e se terão continuidade, porque é praxe na politica brasileira, o gestor público que ganha as eleições não dar continuidade nos planos do anterior como se os recursos fossem particulares e não públicos , oriundos dos pesados impostos pagos por todos nós. Se em outras áreas da administração isso é um desastre, na área educacional é o caos, pois nunca se avançará na direção da concreta melhoria do ensino brasileiro.

Está escrito na Constituição da República Federativa do Brasil, no art.205 que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”. Os artigos que se sucedem tratam dos diversos direitos relativos a uma educação com padrão de qualidade, valorização dos profissionais do ensino público onde lhes são garantidos planos de carreira com garantia de piso salarial, ambiente condigno e condições para o trabalho. A lei de Diretrizes e Bases da Educação elenca princípios e direitos a serem observados na política educacional brasileira, norteados pelo disposto na Constituição Federal. Entretanto, mesmo com tantas garantias constitucionais a educação brasileira não tem melhorado, pelo menos é o que atestam os organismos internacionais.

A Suécia, por exemplo, possui empresas que se destacam pelo elevado conhecimento tecnológico e isso só é possível com uma educação diferenciada e reconhecida como uma das mais eficientes do planeta. Posso afirmar com toda segurança que os alunos daquele país se orgulham de suas escolas e de seus professores e dos métodos de ensino aplicado. No nosso, um sem números de alunos estudam em escolas sujas, de péssima aparência com mato crescendo na sua parte interna; com carteiras sucateadas pelo mau uso; lousas que dificultam a leitura do que nelas está escrito; sem laboratórios de física, química ou biologia que favoreçam os alunos a expandir os seus conhecimentos e fazerem suas experiências cientificas; sem biblioteca adequada e profissional capacitado para auxiliar aos alunos nas suas pesquisas; tetos prestes a desabar; banheiros sujos sem papel higiênico, pias, toalhas; monitores sem nenhum conhecimento da disciplina que ensina ocupando o lugar que deveria ser de professores qualificados; professores reclamando o ano todo do salário que percebe e de suas péssimas condições financeiras que não lhes permitem comprar um livro, um bom computador ou outro equipamento de trabalho para sua formação continuada; alunos que ao invés de cuidar da escola, preservando o patrimônio público, são os primeiros a depreda-la e ainda acham que estão protestando contra aquilo que não concordam. Edgar Morin, em seu livro “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro” 2ª edição, editora Cortez, no capítulo III, elenca como um desses saberes, o Ensinar a Condição Humana. Diz o escritor:

“A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal centrado na condição humana. Estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se encontrem. Estes devem reconhecer-se em sua humanidade comum e, ao mesmo tempo, reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo que é humano. Conhecer o humano é, antes de tudo, situá-lo no universo e não separá-lo dele.”

Segundo o autor, sendo o homem, ao mesmo tempo, um ente físico, psíquico, biológico, social, histórico e cultural a educação do futuro não pode dissociar essas unidades separando o ensino por disciplinas como acontece atualmente, ao contrário o ensino deve levar em contra essa complexidade e vê o homem como um todo.

Há uma espécie de alerta a todos nós habitantes do planeta Terra: olhem-se como irmãos, como parceiros, como complemento um do outro, ajude-se a si próprios e aos outros, vejam-se também como partícula do Universo e integrante da Natureza. Não destruam, não contaminem, não poluam os elementos necessários à sua sobrevivência como a agua, o ar, o meio ambiente. Vocês estão se autodestruindo, sendo vítimas de um suicídio coletivo por não compreender que fazem parte de um todo que é regido por leis imutáveis, divinas.

As leis humanas, nos países democráticos, embora tardiamente, estão reconhecendo o valor da pessoa humana. Na Constituição Brasileira, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, estão destacados a cidadania e a dignidade da pessoa humana, esta, numa amplitude subjetiva sem precedentes, para garantir os direitos assegurados à pessoa humana na sua totalidade.

Ninguém, e principalmente o professor ou professora, terá condições de falar de humanismo, de amor, de solidariedade, de bem estar social para seus alunos, se não forem tratados ou tratadas assim, no seu ambiente de trabalho; se não forem vistos com dignidade e respeito profissional; se não se sentirem privilegiados, dada à importância da profissão que exercem. Quem não tem amor dentro de si, não tem capacidade para amar o outro; quem não é tratado como ser humano, dificilmente tratará o outro nessa condição; Quem não se sente respeitado na profissão que exerce não tem ânimo para estimular os outros.

A insensibilidade com relação ao atendimento às reinvindicações por parte dos professores, de melhores condições de trabalho, de salários, de aprendizado continuado é maior no Poder Público, pois os governos- federal estadual e municipal-, apesar de disporem do recurso financeiro e ser composto por humanos, ignora as necessidades básicas daqueles outros humanos que fizeram suas escolhas para partilhar conhecimentos, que renunciaram e renunciam ao convívio de suas famílias para permanecerem à disposição da educação transformando vidas. O homem desumanizado, não humaniza.

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira em seu Dicionário da Língua Portuguesa diz que humanização significa “ato ou efeito de humanizar”. Humanizar significa tornar humano, tornar benévolo, afável, tratável, dar condição humana.

Quando se trata de humanização o foco é o homem e a mulher. Homens e mulheres são os destinatários das políticas públicas na mesma condição de igualdade, independente da cor da pele, da condição social, da opção sexual, da religião que pertençam. Todos são iguais perante a lei. Os governos existem para servir ao povo e não o povo para servir aos governos. Assim sendo todas as políticas públicas devem ser direcionadas para o bem estar de todos. Quando se trata do ambiente onde o homem ou a mulher vai desenvolver o seu trabalho, deve ser ele digno, com as condições adequadas a fim de que os resultados sejam profícuos. Quando se negligencia os valores que devem ser destinados aos trabalhadores, há uma ofensa à sua dignidade. Humanizar também significa respeitar o trabalhador, oferecendo-lhe um ambiente de trabalho digno, remuneração compatível com o cargo que exerce e condições para desenvolver suas funções. Dizem que o homem é produto do meio. Não concordo totalmente com essa assertiva, mas acredito que o homem sofre influência do meio onde vive, onde trabalha, onde frequenta. O ambiente saudável favorece o bem estar e proporciona momentos de felicidade que pode ser passageiro ou duradouro. Quando se trata de educação pública, principalmente, a palavra humanização parece ser desconhecida. Com raras exceções as escolas públicas não são ambientes dignos de receber alunos e seus pais, professores e demais componentes da comunidade escolar que parecem excluídos das políticas públicas que são destinadas à educação.

Desde os primórdios, o homem sempre teve a vocação de escravizar o outro e, apesar de estarmos no século XXI tal prática ainda continua de várias formas. O homem e a mulher sempre são ávidos pelo poder de mandar, de dar ordem, de ser obedecido, de comandar, de ser chefe, patrão, de ser destaque. As diferenças de classes, de cor, de credo, de condição social são formas de um homem se apresentar superior ao outro.

As questões relacionadas à desumanização da educação estão intrinsicamente ligada a essa conduta nociva do ser humano em querer se destacar com relação ao outro, de querer que o outro lhe seja submisso, de impor-lhe sua vontade tornando-o escravo mental. Se volvermos os nossos olhares para o período colonial vamos constatar que milhares de homens, mulheres e crianças eram tratados como animais, vivendo enjaulados e expostos à venda sem nenhum respeito à sua dignidade humana.

No Brasil a desumanização do homem teve seu ponto inicial e crítico com a escravidão de negros africanos que eram trazidos para trabalharem nos canaviais na época que o açúcar era um produto altamente aceito na comunidade europeia. Os negros africanos eram vendidos como mercadorias e ficavam confinados em armazéns próximos ao local de embarque, sem falar da imposição por parte do homem branco, de uma cultura desconhecida, inclusive religiosa, aos índios que aqui viviam.

Enquanto o poder for ocupado por políticos desinteressados pela condição humana dos governados e se esses “representantes” do povo, não passarem por um aperfeiçoamento em suas condutas, tanto como gestores como humanos, o povo, de uma forma geral, continuará ficando à mercê de suas vontades e a educação pública, principalmente, ainda trilhará por um longo caminho até sua libertação.

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