Wilson Lucena

Wilson Lucena

Jornalista, pesquisador e membro da Academia Penedense de Letras

Postado em 05/12/2009 13:29

O mercantilismo religioso

Fenômeno em muita evidência nos atuais tempos, o “mercantilismo religioso” ou o “comércio da fé” remonta às célebres indulgências católicas. No catolicismo, as indulgências, condicionadas a penitências e boas obras, são concedidas para perdoar as penas temporais causadas pelo pecado. Como os perdões também se associaram aos donativos piedosos, logo emergiram os abusos e desvirtuamentos. Durante a idade média, documentos forjados declaravam que indulgências de caráter extraordinário foram concedidas, assim como também ocorreu a venda das concessões por profissionais “perdoadores”, que pregavam: Assim que uma moeda tilinta no cofre, uma alma sai do purgatório.

Em 1517, o Papa Leão X ofereceu indulgências para aqueles que dessem esmolas para reconstruir a Basílica de São Pedro em Roma. O agressivo marketing de Johann Tetzel em promover a causa provocou o monge alemão, Martinho Lutero, a escrever suas “95 Teses”, através das quais protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica, bem como de alguns absurdos praticados pelo seu clero, ensejando a Reforma Protestante. Sob a nova ótica evangélica, devidamente embasado na Bíblia desde Abraão, assoma o “dízimo”, que corresponde ao repasse de um décimo da renda do fiel para a “Casa do Senhor”. Em caráter espontâneo, ofertas adicionais também são bem vindas.

Em relação à tributação, a coleta do dízimo é legal e livre de imposto, desde que o seu produto seja direcionado para as despesas de manutenção e custeio da igreja, edificação de novos templos religiosos, subsistência dos pastores, ajuda a um irmão carente ou enfermo, dentre outros. No entanto, desviá-lo para o próprio bolso é crime. Segundo reportagem especial da Revista Veja, O sagrado e o profano, de 19.08.2009, o Poder Judiciário aceitou denúncia do Ministério Público contra o grupo dirigente da “Igreja Universal do Reino de Deus”, por crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, ao qual se atribui a apropriação indébita de bilhões de reais em dízimos coletadas de seus adeptos.

Sedimentado em depoimentos de pastores dissidentes e de várias vítimas, vídeos e constatações in loco, sob a égide da “Teologia da Prosperidade”, o texto ilustra que a organização religiosa do bispo Edir Macedo ensina e prega que o grau de demonstração da fé é diretamente proporcional aos valores das doações, ou seja, quanto mais dinheiro o fiel der à igreja, mais fé demonstra e mais receberá de Deus, tanto no âmbito terreno, como no espiritual. Por isso, além da exigibilidade do dízimo, aliados a campanhas suplementares de arrecadação, pastores profissionais e criativos, inclusive com metas de captação financeira, estimulam, em escala sempre crescente, aportes extras dos fiéis.

Em tudo isso, muito pitoresco também o clima de catarse e de êxtase criado nos cultos. Ao longo da semana, existe toda uma programação bizarra, que contempla a aquisição de produtos de graça celestial, tais como a rosa, sabonete e óleo ungidos, sal grosso, espada e martelo. Contudo, o mais interessante e cômico são as sessões dos exorcismos ou descarregos, o popular “Xô Capeta”. Certamente, só pessoas pouco esclarecidas ou muito angustiadas podem ser induzidas a tamanho “conto de vigário”.

Nesta semana, a Justiça Federal de São Paulo condenou os fundadores da Igreja Renascer em Cristo, aquela do craque Kaká, Estevam e Sônia Hernandes, a quatro anos de reclusão pelo crime de evasão de divisas, pena que será comutada para prestação de serviços a entidades filantrópicas. De igual modo, no tocante a escândalos financeiros, por lavagem de capitais, o Banco do Vaticano é outro contumaz freqüentador de manchetes rumorosas, fama que provém desde a Segunda Guerra Mundial, quando foi acusado de receptar os tesouros roubados dos judeus pelos nazistas.

Em reportagem exclusiva da Folha de São Paulo, edição de 29.11.2009, apenas com os registros da assembléia de fundação e de um estatuto maroto, comprovou-se que bastaram dois dias e R$ 218,42 para uma equipe do jornal fundar uma igreja. Com mais três dias e R$ 200,00, a fictícia “Igreja Heliocêntrica do Sagrado Evangelho” já tinha CNPJ, conta bancária aberta e toda imunidade fiscal. Seus ministros, uma vez escolhidos, também gozam de vários privilégios. Se a “Lei Geral das Religiões”, já aprovada na Câmara, se materializar, novas vantagens serão incorporadas. Com tantas facilidades e concessões, fundar uma igreja virou um bom negócio. Tanto assim, que hoje existe uma explosão de igrejas e de seitas religiosas, principalmente nos bairros periféricos. Como óbvio, mais pregadores impostores e bispos espertalhões no mercado.

O propósito básico da vida é a felicidade. Nesse sentido, como ponte de interação com a espiritualidade e o divino, através do evangelho, o cultivo de uma religião sadia e confiável é fundamental na vida do ser humano. Ela também é altamente benéfica como instrumento agregador da família e disseminador dos valores éticos e morais. Em difundir a verdade e a virtude. No estímulo da solidariedade, compaixão e amor. A própria ciência já admite o aspecto positivo da oração e da meditação, bem como da salutar prática da fé sem intolerância ou radicalismo.

Obviamente, que existem, tanto do lado católico, como do evangélico, eminentes pontífices religiosos, pastores sérios e de elevado grau espiritual, homens sábios e iluminados e legítimos representantes de Deus. Portanto, cuidado para não confundir uma verdadeira igreja com um templo suntuoso religioso de fachada, que abusa da credulidade dos fiéis para subtrair-lhes o suado dinheirinho e o sacrificado patrimônio. Ao invés do tão ansiado paraíso celestial, você corre o risco de embarcar num indesejável inferno terrestre.

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  • manoel sant'anna rodrigues Há grande necessidade de definirmos com altivez e maturidade, sem o peso do egoísmo ou da vaidade, o que queremos para a nossa gente. Penedo como é sabido por todos nós, precisa de um abraço politicamente patriótico, que o leve ao caminho do desenvolvimento. Devemos nos unir, para virar esta página e implantarmos uma frente, que possa dar sustentáculo aos projetos do próprio penedense. A verdade, é dizermos sem medo de errar, que Penedo tem penedenses competentes, capazes de administrá-lo e representá-lo muito bem. Com humildade e determinação, Penedo vai! Levante esta bandeira! "Se os homens tivessem dentro da alma a humildade e a gratidão, viveriam em perfeita paz." (Vicente Espinel) Manoel Sant'anna