Uma canoa de tolda reconstruída artesanalmente é agora patrimônio brasileiro material e imaterial registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O tombamento da “Luzitânia” é o reconhecimento oficial do restauro e da retomada da navegação com a embarcação típica do Baixo São Francisco entre Alagoas e Sergipe, modelo que serve principalmente para transporte de carga e atualmente em extinção.
O processo de reconstrução da “Luzitânia” contou com a participação de mestres ribeirinhos, como o falecido carpinteiro Nivaldo Sena, responsável pela recuperação da estrutura da canoa de tolda. Peças de ferragens foram trabalhadas, a ferro e fogo, pelo Mestre Lula, em Piaçabuçu, sendo as velas costuradas pelo mestre Aristides, em Penedo, dentre outros autores de peças para a embarcação, todas fabricadas de modo artesanal.
Recuperação coordenada pela ONG Canoa de Tolda
Todo esse trabalho foi coordenado pela Canoa de Tolda – Sociedade Sócioambiental do Baixo São Francisco, uma organização não governamental (ONG) e atual proprietária da embarcação. A entidade tem sede em duas cidades situadas às margens do “Velho Chico”, uma em Piaçabuçu-AL e a outra em Brejo Grande-SE, “porto mais tranquilo que encontramos na região para a Luzitânia”, explica Carlos Eduardo Ribeiro Júnior, o ‘descobridor’ desse tesouro do “Velho Chico”.
Navegando no rio em 1999, Carlos Eduardo viu a “Luzitânia” pela primeira vez. “Foi em Gararu (Sergipe), já em condições precárias de conservação. Cerca de um ano depois, encontramos a embarcação praticamente afundada em Curralinho (povoado ribeirinho de Poço Redondo-SE) e iniciamos a negociação feita com o Fernandes de João Pidoca”, relembrou Eduardo.
Na disputa pela compra da canoa de tolda, a ONG ribeirinha venceu a concorrência com representantes do Museu do Mar, instituição sediada em Santa Catarina.
Permanência e navegação da Luzitânia no BSF
“A nossa proposta incluía, além da recuperação seguindo os moldes tradicionais, a permanência da Luzitânia na região, com o compromisso de resgatar o uso para navegação”, acrescentou Carlos Eduardo. As promessas cumpridas estão documentadas em filme, o “De Barra a Barra”, título da primeira viagem na embarcação restaurada que em 2009 zarpou da foz do São Francisco com destino a Piranhas, ou seja, partiu do encontro entre o rio e o mar até a última parada na região sertaneja alagoana.
O trajeto refez o percurso tradicional das canoas de tolda entre Sergipe e Alagoas, muito comum e necessário antes da construção das rodovias, quando era o único meio de transporte de cargas chegadas de várias partes do Brasil e do exterior, mercadorias posteriormente levadas, por terra, para cidades do interior, em meio à paisagem de caatinga.
Resgate do encontro com uma ‘velha amiga’
Além de refazer a ‘Rota do Sertão’, o documentário que teve produção aprovada pelo projeto “Doc TV Brasil” mostra a satisfação do ribeirinho em rever uma ‘velha amiga’. Mas nem tudo é motivo de comemoração na viagem. Os impactos ambientais sofridos pelo rio São Francisco formam o pano de fundo do trabalho histórico. Trechos assoreados, inclusive com registro de encalhes em passagens que eram facilmente navegáveis até bem pouco tempo, pontuam o enredo do documentário ‘De Barra a Barra’.
Todo esse trabalho recebeu o merecido reconhecimento no último dia 10 de dezembro, depois de cerca de dez anos de tramitação no Iphan. O tombamento da “Luzitânia” aconteceu durante reunião do Conselho Consultivo do órgão federal no Rio de Janeiro, decisão aprovada por unanimidade. Carlos Eduardo acrescenta que mais três embarcações foram contempladas, todas tradicionais (o saveiro Sombra da Lua, da Bahia; a canoa costeira Dinamar, da baía de São Marcos, no Maranhão; e a canoa de pranchão da Lagoa dos Patos, Rio Grande do Sul).
“Um novo momento na história da cultura em nosso país”
“O tombamento de embarcações tradicionais criadas pelas artes e pelos conhecimentos populares significa um momento novo na história da cultura em nosso país. A partir desta primeira iniciativa, passam a ficar mais claros e valorizados elementos que, ao mesmo tempo, são representantes do patrimônio material e imaterial de nossa cultura”, explica Carlos Eduardo Ribeiro Júnior no site da ONG.
Ele informa ainda que as quatro embarcações passam a constar no livro de Belas Artes da listagem de bens nacionais, sendo a Luzitânia o 26º bem tombado de Sergipe, referência que serve para ambas as margens do Baixo São Francisco.
“A partir deste momento, a canoa Luzitânia está oficialmente sob a proteção do governo federal, porém sendo sua proprietária e com ainda maior responsabilidade, a Sociedade Canoa de Tolda que não poupará esforços de sua parte para manter a embarcação ativa nas margens do rio”, assegura Carlos Eduardo no informe eletrônico. Não é à toa que a ONG já está convidada para levar a Luzitânia até a França em 2012, um evento internacional que já recebeu as jangadas do Ceará.
Serviço:
Canoa de Tolda
R. Jackson Figueiredo, 09 – Mercado Municipal 49995‐000 Brejo Grande SE Brasil
Tel‐Fax +55 79 3366 1246
End. Eletrônico canoadetolda@canoadetolda.org.br Internet www.canoadetolda.org.br
por Fernando Vinícius
Comentários comentar agora ❯