27 Abril 2009 - 16:38

Primeiro bairro verde de Brasília começa a sair do papel e gera polêmicas

Noroeste Imóveis

Você já pensou em morar em um bairro "ecologicamente correto"? Do tipo que exige de todos os imóveis o uso de coletor solar, sistema de recolhimento de lixo por sucção, gás natural e suporte para captação da água de chuva? E passear por ruas menos poluídas, com fluxo reduzido de carros? A Companhia Imobiliária de Brasília - Terracap começou a tirar do papel este ano o projeto de bairro sustentável, o Noroeste. A última área passível de ocupação prevista pelo arquiteto Lucio Costa terá ao todo 15 mil unidades residenciais, divididas por 220 prédios, para abrigar 40 mil pessoas. Os primeiros lotes começaram a ser vendidos recentemente, mas já geram polêmicas. Especialistas questionam a construção de imóveis sobre um lençol freático e a falta de planejamento de manejo ecológico.

"O solo no Noroeste, por ser muito sensível e tendo sofrido processos de erosão, traz muitos gastos de energia para sua recuperação (Luiz Alberto Gouvêa)"

Para morar no Noroeste será preciso estar atento a algumas regras estabelecidas pelo bairro. Por exemplo: a proibição do uso de chuveiro elétrico. Além disso, ao comprar o imóvel, o morador receberá uma espécie de manual de instruções do bairro verde, chamado "Plano de gerenciamento ambiental integrado". Segundo o secretário de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Brasília, Cássio Taniguchi, além de dar orientações sobre as construções nos lotes, o manual deverá promover a conscientização ambiental.

"Este projeto pretende mudar o conceito de vida dos habitantes. Toda edificação será orientada de forma a não agredir o ambiente. As construções não poderão acumular entulho e os projetos de paisagismo deverão usar vegetação nativa. Para evitar impactos, o Noroeste também terá lagos de contenção para facilitar a drenagem em um solo que é sensível como em todas as regiões de Brasília", diz Taniguchi.

O modelo do Noroeste pretende retirar os caminhões de coleta e contêineres das ruas. O lixo, separado em orgânico e inorgânico, será retirado do imóvel por uma rede de sucção, formada por tubos e canos que o levarão até uma central de reciclagem e tratamento. Os prédios terão, além de coletor solar, janelas grandes para absorver o máximo de luminosidade do dia. O bairro pretende também incentivar a diminuição do fluxo de carros por meio de ciclovias e transportes públicos nas ruas da região. De acordo com Taniguchi, a idéia é diminuir a emissão de gases, principalmente o gás carbônico, contribuindo para um novo conceito de vida urbana, com pessoas andando a pé e de bicicleta:

"O projeto original foi concebido pelo arquiteto Lucio Costa em 1987. Em 2007, foram adotados novos paradigmas de sustentabilidade, o que atraiu o setor privado. O bairro segue o mesmo modelo das superquadras e de prédios de até seis pavimentos, com grandes áreas verdes para que o morador se sinta habitando um grande jardim. Este ano, o projeto começou a sair do papel, mas acho que ainda vai demorar uns 15 anos para o bairro estar totalmente ocupado." 

Custo na construção pode ser compensado por economia no consumo de água e energia

Agora, é fato que o custo de todos esses cuidados sustentáveis na construção pode sair caro para os que desejam morar no Noroeste: o investimento na infraestrutura de prédios sustentáveis leva a um acréscimo de 5% em relação a um projeto padrão. Mas a redução no consumo de energia e água compensa o investimento no futuro. O preço do metro quadrado construído do Noroeste está girando em torno de R$ 8 mil. A maioria dos lotes foi vendida a R$ 12,5 milhões, sendo que o preço máximo alcançado foi de R$ 13,6 milhões e o menor preço, R$ 10,6 milhões. O apartamento de três quartos custa R$ 600 mil em média.

O comprador poderá encontrar opções de quitinete e apartamentos de dois e três quartos além dos imóveis de luxo. Taniguchi adianta que o projeto prevê também a construção de apartamentos nos prédios comerciais para atender à demanda por unidades residenciais pequenas. O presidente da Terracap, Antônio Gomes, concorda com Taniguchi e acrescenta que o aumento da procura por imóveis menores está estimulando a diversificação e a construção de unidades para atender a diferentes tipos e tamanhos de família.

Urbanismo sustentável no bairro Pedra Branca, em Santa Catarina

"Nós temos ao todo 220 projeções para o bairro Noroeste. Os projetos contemplam inclusive coberturas, o que até então não existia em outros bairros do plano piloto. Mas a procura por terrenos maiores e mais caros diminuiu. Há uma demanda maior por imóveis pequeno", diz Gomes.

Projeto gera divergências entre especialistas

Mas há controvérsias sobre este bairro chamado de ecologicamente correto. O professor da pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UNB), Luiz Alberto Gouvêa, explica que, ainda que o projeto seja não agressivo ao MEIO AMBIENTE, ele pode vir a causar impactos sobre a cidade, principalmente relacionados ao trânsito e ao solo:

"Brasília é uma cidade tombada como Patrimônio da Humanidade. Você tem uma cidade singular que requer muito cuidado na hora de fazer qualquer expansão. É preciso estudar essa área. Não apenas do ponto de vista ecológico. Deve-se considerar também o impacto a ser causado pelo aumento do número de veículos. Além disso, o solo no Noroeste, por ser muito sensível e tendo sofrido processos de erosão, traz muitos gastos de energia para sua recuperação", ressalta Gouvêa.

Frederico Flósculo, professor do curso de graduação de arquitetura da Universidade de Brasília (UNB), faz coro com o colega e acrescenta que o projeto não fez análise de im-pacto ambiental anteriormente e nem prevê um manejo ecológico.

"Esse setor será construído em cima de um dos maiores aquíferos, que é uma grande reserva de água potável, e inclui uma trama rica de lençóis freáticos, que abastece o próprio lago Paranoá e faz parte do sistema hídrico da região. Deve haver um cuidado maior com essas áreas. Não há sequer a previsão das condições básicas de organização comunitária já conquistada pelas comunidades das superquadras de Brasília, como as sedes de Prefeituras Comunitárias. Além disso, as construções residenciais têm um preço muito superior ao que o conceito de empreendimentos verdes pedem, de US$ 500", diz Frederico Flósculo

"Este projeto pretende mudar o conceito de vida dos habitantes. Toda edificação será orientada de forma a não agredir o ambiente (Cássio Taniguchi)"

O projeto do Noroeste já tem as licenças ambientais prévia e de instalação concedidas pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para a sua construção numa área de 300 hectares. No entanto, esbarra ainda numa questão fundiária. Na área, residem dez famílias indígenas há cerca de 30 anos que requerem dois hectares de terra. Apesar de o projeto resguardar a área destinada aos índios, seus limites ainda são motivo de controvérsia. A superintendente do IBAMA Maria Sílvia Rossi alega que órgão ainda aguarda um pronunciamento da Funai para que possam incluir as necessidades indígenas no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

"O IBAMA exigiu que 20 hectares da região fossem destinados aos indígenas e que a Terracap se responsabilizasse pela infraestrutura do local. As habitações devem validar a cultura e tradição da comunidade. No entanto, a Funai precisa se pronunciar, dizer quais são as melhores condições de habitação e preservação de sua identidade. Quem haveria de melhor para dizê-las senão eles?", indaga Maria Sílvia.

Questionada sobre os impactos ambientais que a construção pode causar na região, Maria Sílvia afirma que toda construção causa impactos ambientais, seja ela qual for. Mas que o projeto apresenta medidas compatíveis e as obras serão monitoradas para certificação de que eles estejam acompanhando o desenho do projeto.

por Redação com O Globo On-Line

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