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João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 12/02/2011 18:32

Julgamento pelo Tribunal do Júri

É praticamente impossível, como espectadores em um Tribunal do Júri, impedir que o nosso raciocínio mergulhe num emaranhado de indagações sobre a condição humana. Que deixe de entender e perceber nesta imprevisibilidade, nesta eterna interrogação chamada homem, o escuro túnel do âmago do seu ser onde se debatem em perene batalha os sentimentos, pensamentos e emoções que quase sempre desaguam num rio de incertezas. Custa-nos acreditar que a mais excelsa criatura distinguida pelo criador, este mistério ambulante desconhecido de si mesmo, verdadeiro caldeirão de antagonismos, de complexas e absurdas contradições, comporte dentro de si, simultaneamente, o santo e o demônio; a guerra e a paz; a sanidade e a loucura; a bondade e a maldade; a solidariedade e o indiferentismo; o amor e o ódio; enfim, a afabilidade e a ternura mesclada com o sentimento de fera calculista, fria, cruel e ensandecida. É deveras surpreendente que possa comportar toda essa amalgama de elementos tão díspares e aparentemente incompatíveis. Essa é, no entanto, a natureza humana, o homem radiografado dentro da sua nudez natural, não por uma escolha própria, mas por determinação do Criador. Certamente, todos nós, não obstante nos distingamos por certas virtudes e defeitos que se sobressaem, temos dentro de nós, em diferentes graus, o santo e o demônio.

Ora, se toda essa complexidade de grandeza e degradação, revela o homem na sua plenitude, não seria irracional se perguntássemos se seria justo responsabilizá-lo e condená-lo por uma natureza às vezes incontrolável e totalmente estranha à sua livre escolha. Naturalmente que perde o sentido tal indagação vez que o homem, possuindo o entendimento, é capaz, teoricamente, de exercer o livre arbítrio. Também poderíamos perguntar se existe o livre arbítrio ou se somos escravos do determinismo. Ninguém poderá responder-nos a essa dúvida de ordem transcendental, que comporta considerações de ordem filosófica e teológica. Por outro lado, mesmo dentro das limitações do homem, causa-nos perplexidade, dada a sua inteligência e capacidade de discernimento, o fato de não ser capaz, muitas vezes, de conter seus impulsos maléficos e destrutivos. Por que?

Segundo acreditam alguns cientistas, o homem é na realidade a superposição de três cérebros. O primeiro é a herança do cérebro dos répteis e comanda a fuga, o ataque e o impulso sexual. O segundo é o cérebro do mamífero que comanda todos os fenômenos afetivos. O terceiro cérebro é o neocórtex que se desenvolveu de uma maneira extraordinária no homo sapiens e que é sede de todas as operações lógicas e das associações de idéias. Estes três cérebros não são comandados pelo superior, nem o reptiliano é comandado pelo cérebro do mamífero. O que ocorre é uma contaminação das ordens dadas por um ao outro. O fracasso, em último caso, resulta do neocórtex em não controlar os dois cérebros inferiores. O que parece ser verdade, pois muitas vezes o nosso cérebro superior formula justificações que pertencem ao domínio dos desejos, impulsos e interesses.

O que é fácil concluirmos é que o mal não é apenas um mal em si mesmo. Há um lado positivo. Seria possível a busca da perfeição sem a existência do mal? E se o mal fosse suprimido, o que aconteceria ao homem? Estaria praticamente com um pé no paraíso, que é o lugar dos idiotas. Temos de convir que o mundo marcha pelo antagonismo de suas leis, assim como as contradições e os conflitos internos no homem são a essência da própria vida, podendo levá-lo tanto às alturas como ao abismo. Se existisse um controle forte do neocórtex sobre a nossa afetividade e nossos estados primários, que resultaria da nossa criatividade? É preciso reconhecermos que a causa da infelicidade do homem é também a causa da sua inteligência e de seu gênio.

Há quem afirme, o que é uma verdade, que seria uma loucura pretender suprimir os erros e desordens da sociedade. Além de uma loucura, seria uma forma de regredir. É necessário que se procure manter um meio termo, pois, se formos muito organizados estaremos condenados à rigidez mecânica; ao contrário, se muito desorganizados, nos decomporemos. Eis porque o homem, sobressaindo-se dos demais animais, vive socialmente organizado dentro de um ordenamento jurídico e costumes estabelecidos pelo pacto social, impondo-lhe direitos e obrigações. Sem essas normas repressivas que prometem e impõem castigo aos transgressores, voltaríamos ao tribalismo e o racional, prostrado e vencido, seria ofuscado pela supremacia dos instintos bestiais.

No que tange ao Tribunal do Júri, diríamos que inatacável quanto à sua forma e finalidade. Entre nós, no entanto, face as diferenças do nível cultural e intelectual de inúmeras comarcas interioranas, não acreditamos que o mesmo preencha a contento as suas funções, tendo em vista a citada qualificação dos que compõem o Conselho de Sentença. É uma deficiência que temos de suportar, decorrente da natureza das leis que têm uma abrangência territorial, aplicando-se a todos indistintamente, independente do seu grau cultural. Relevando essa circunstância, ainda assim achamos que é o melhor instrumento para julgar os crimes incluídos na órbita de sua atuação. Entretanto, se a sua virtude pode ser atribuída ao abrandamento e maior humanização na aplicação da lei, não podemos deixar de fazer duas observações. A primeira diz respeito a morosidade dos processos e seus reflexos negativos sobre o julgamento. Qual a média de tempo para o julgamento dos nossos processos? Quatro, cinco ou dez anos?

Exceções à parte, sabemos que a maioria comporta um período exagerado. Temos de convir que, se a exagerada brevidade do andamento e julgamento de um processo em plena ebulição, de revolta e o forte impacto das emoções, pode prejudicar sensivelmente o réu, a excessiva morosidade, indo ao encontro de um fato natural, dilui as emoções e apaga da memória as circunstâncias agravantes do delito, beneficiando-se injustamente. Isso, por certo, não aconteceria no julgamento pelo juiz singular e evitaria o descrédito da justiça, criando-se a impressão de que o crime compensa. A Segunda observação, fato corriqueiro nas pequenas comarcas, prende-se ao recurso exagerado da dramaticidade empregada pelas partes, especialmente pela fraca ou maliciosa defesa que, prevalecendo-se da ingenuidade do Corpo de Jurados, busca enredá-lo e convencê-lo tão-só pela emotividade. Concordamos plenamente com o uso desse artifício, legítimo, necessário e que dá toda beleza ao julgamento, quando acompanhado de uma inteligente persuasão presa à prova dos autos, mas que peca pelo ridículo quando, fugindo à argumentação ardilosa e sutil, procura convencer os jurados com um exagerado apelo sentimentalóide. Isso também não aconteceria no julgamento pelo juiz singular.

Assim, pelos senões ora citados e outros que possam existir e que não me ocorrem no momento, percebemos que os mesmos quase não dizem respeito à estrutura do Tribunal do Júri, mas a fatores de ordem humana ou de um mau funcionamento da máquina judiciária. Pecam, portanto, muitas críticas que lhe são assacadas, vez que não conseguem distinguir a origem das falhas. É o que ocorre, na mesma linha de raciocínio, com a crença ilusória de que a abstração das leis, por si só, possa ser eficaz sem o propósito de respeitá-las e pô-las em prática. É um grande engano. O homem aperfeiçoa as instituições e as leis e não o contrário. Em resumo, o que ora concluímos, achamos que o Tribunal do Júri, excluídas prováveis deficiências de ordem estrutural, é sem dúvida o melhor recurso para o julgamento dos crimes afetos à sua competência.

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  • aline Uau, excelente texto, parabéns. Artigo maravilhoso.
Jackson Ventura Júnior

Jackson Ventura Júnior

É Estudante de Direito

Postado em 09/02/2011 13:10

Assim caminha a humanidade...

Diante dos fatos ocorridos atualmente em nossa sociedade, analiso e percebo o quanto a humanidade está se desenvolvendo. As grandes descobertas marítimas, as grandes invenções, os geniais pensadores iluministas; meus caros isso é coisa do passado. Estamos vivendo a época das grandes reuniões. Reuniões estas realizadas em todos os setores e instituições da nossa sociedade.

É notório e do conhecimento de todos – ou pelo menos deveria ser – que as instituições de nosso país estão diariamente sentadas, concentradas em busca de soluções para os nossos problemas. Para aqueles que já acompanharam algumas destas reuniões é possível observar um grande decoro entre os participantes, falas que prestigiam e enaltecem o ego do elogiado. Notamos também uma série de “problemas burocráticos” que atrapalham o andar das reuniões. Porém, ao final das esplendorosas reuniões poucas coisas são colocadas em prática.

Em diversas gestões e administrações públicas, as reuniões fazem parte do cotidiano dos representantes do povo. Todavia, apenas a parte irrisória das discussões é posta em prática. Para a burguesia, é muito fácil discutir sentada em seus confortáveis e agradáveis gabinetes os problemas de toda uma sociedade carente. Porém, para a plebe isso não é tão fácil e confortável, afinal, só esta sabe o que é conviver com uma série de perigos e carências.

A população atual está cansada de discursos bonitos e de promessas falsas. Um exemplo? Vejamos: a atual situação de combate ao tráfico de drogas no estado do Rio de Janeiro. A população – digo isso com toda certeza – está muito mais satisfeita com a atitude tomada por parte do Estado. Talvez se as reuniões não saíssem do papel para a prática a população não tivesse mais esperança em um futuro melhor. Alguns pessimistas podem dizer que toda essa movimentação se dá devido a Copa de 2014 e aos Jogos Olímpicos, ambos serão realizados no Brasil - que seja. Algo foi feito em prol de toda uma sociedade.

Talvez, escrevendo este artigo, eu esteja parecendo contra toda e qualquer reunião, ou até mesmo um tanto desorganizado. Mas tenho convicção de que antes de uma boa ação prática se faz necessário um planejamento e certa organização. Não concordo em sucessivas reuniões que acabam no engavetamento e não execução de boas ações.

Nossas entidades precisam de mais agilidade para por suas “obras” em prática, afinal, toda uma sociedade espera por soluções destas que, pelo menos em tese, deveriam nos ajudar a construir uma nação mais forte e justa. Nosso povo precisa de alimento na mesa hoje, agora; nossas crianças precisam de escola e saúde urgentemente; nossos operários precisam de melhores condições de trabalho; nossos jovens de oportunidades e perspectivas de um futuro melhor; e NÓS, povo brasileiro, precisamos de menos reuniões e mais ações práticas, ou continuaremos a caminhar com passos de formiga e uma vontade quase inexistente.

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  • Zuildson Ferrreira Alves Com certeza,Jackson,precisamos urgentemente de mais ações e menos teoria.O Brasil é o país das leis que não são cumpridas.Leis temos e são as melhores possíveis.Mais escolas, mais investimentos em saneamento básico,mais investimento em pesquisas científicas,mais investimento em educação, cultura,teatro,museus,lazer.Quadras poliesportivas.Investimentos em cursos profissioinalizantes.Bibliotecas.Salas de informática.O artista de modo geral. Muito bem.Gostei. Zuildson,Vila Velha/Es.
  • LUCY VENTURA Muito bem. Adorei sua postagem.
  • Alice Parabéns Jackson, ótimo artigo!
  • Kátia Ventura CARO JÚNIOR, É VISÍVEL A SUA ANGÚSTIA QUANDO O ASSUNTO É “A MAZELA ADMINISTRATIVA DO NOSSO PAÍS”... E PARECE-NOS VIÁVEL ESSA SUA PREOCUPAÇÃO, ESTAMOS VENDO ,É BEM VERDADE, QUE O TREM NÃO ANDA, QUE AS COISAS NÃO ACONTECEM ...E TODOS CONSIDERAM NORMAL E NADA FAZEM! E FICA A PERGUNTA: CADÊ OS NOSSOS REPRESENTANTES DO PODER LEGISLATIVO E EXECUTIVO? ESTÃO APENAS SENTADOS EM SEUS CONFORTÁVEIS E AGRADÁVEIS GABINETES? OU ESTÃO BRIGANDO UNS COM OS OUTROS EM BUSCA DE DESTAQUE SOCIAL? JÚNIOR, VOCÊ É FELIZ AO PERCEBER TAIS IRREGULARIDADES OU RELAPSOS E ATÉ TE VEJO COM OS SEUS BOTÕES A PENSAR... É ISSO AI, GAROTO: O VENTO SÓ ENTRA NA SUA CASA SE VOCÊ ABRIR A SUA JANELA OU AO MENOS DEIXAR BRECHAS! É DISSO QUE PRECISAMOS DE BRECHAS OU JANELAS ABERTAS!
  • Kim Emmanuel Muito bom seu artigo Jackson, está de parabéns, mais um jovem penedense se destacando na cidade ribeirinha.
  • janilton tavares belo artigo jakson!, mas belo não só porque ele foi bem redigido ou coisa do tipo, mas sim pelo tema abordado, pois o memento é muito oportuno para tal preocupação, ne verdade quero lhe parabenizar não pelo artigo mas pelo seu descontentameneto e preocupação com as mazelas do nosso tempo. Isso é o mais importante, pois é o que mais nos afeta diariamenete. ao artigo eu usaria a frase de um pensador cujo nome não me recordo agora, que diz \\\"CESEM AS PALAVRAS E FALEM AS AÇÕES\\\" é o que a sociedade precisa, de mais e mais ações concretas que venham de fato mudar a realidade de um povo que ainda sofre muito com os vários problemas que os afetam. Por tanto eu acho que as reuniões devem servir para detectar e avaliar o problema em seguida deve-se logo planejar e resolvê-lo de forma firme e eficaz. Aliás o povo é quem mais precisa deixar de lado as reclamações de bastidores e \\\"BOTAR PRA FAZER\\\" como por exemplo: denúnciar, participar, cobrar... a final esse é o papel do verdadeiro \\\"CIDADÃO\\\" lutar por uma sociedade cada vez melhor! agora quando vamos ver isso acontecer? quando o jakson eu e você que está lendo esse comentário formos á luta deixarmos que as ações falem por sí próprias. ENTÃO VAMOS Á LUTA!!!
  • José Sílvio Parabéns Júnior pelo seu artigo. Um jovem com o pensamento positivo e preocupado com o futuro do amnhã.
Jean Lenzi

Jean Lenzi

Ator, dramaturgo, encenador teatral e ativista cultural

Postado em 03/02/2011 10:12

“Usufructuários do Caos”

O Jornal Gazeta de Alagoas trouxe no domingo, 30 de janeiro,  em seu “Caderno B” de cultura, interessante matéria intitulada CIDADÃO INSTIGADO. O texto assinado pelo competente e querido jornalista Fernando Coelho, nos apresenta dados já conhecidos pelos que circulam nos corredores culturais do nosso Estado. E não somente por quem circula, mais precisamente, por quem faz a cultura de nosso Estado.

Lendo a matéria, foi possível perceber que ainda há muita discordância quanto às políticas culturais exercidas nas Alagoas, - “números revelam que Alagoas não acompanha o desenvolvimento nacional” informa o IBGE, numa citação do texto. Mais adiante, o jornalista nos mostra um gráfico indicador dos Municípios do nordeste que mantém legislação de proteção ao Patrimônio Cultural, e é aí que a coisa complica.

No Penedo, de há muito se fala em uma saída estratégica, consistente e eficaz, para o soerguimento turístico-cultural deste município, aqui tratado com especial atenção, e à parte a realidade debatida pela imprensa, cuja matéria instiga ao passo em que esclarece. Nosso olhar se volta para Penedo, e nela se fixa como se estivéssemos a testemunhar os últimos suspiros do poeta Voltaire que em seu leito de morte clamava “luz, luz, luz”.

Aqui, no Penedo, de modo estreito, talvez não tenhamos somente que clamar por uma ou duas luzes, mas por algumas centenas de milhares de lampiões que possivelmente nos iluminariam os juízos e nos fariam ver que estamos regressando a passos largos, e que não bastará muito para que as nossas mazelas, tão tradicionais, venham a público como já se pode observar.

Desse modo, eu trataria isso como uma ação sintomática de uma anomalia infame que é fruto de um duelo travado por agentes da iniciativa privada X gerentes da iniciativa publica. Um duelo cujo vencedor quase sempre não detém as glórias da batalha, se talvez, tiver feito uso de armas sujas, utilizado estratégias pouco honestas e unindo-se a aliados sórdidos para talvez vencer. Daí a máxima de que no amor e na guerra tudo se é permitido. E na “política cultural” também.

E de permissões a omissões, temos contemplado a Cidade do Penedo num triste samba de crioulo doido, permitindo-se navegar por rios de águas cadenciadas pelas velhas e questionáveis competências-administrativas, gerências e gestões culturais, sociais, educacionais, enfim, aquilo que deveria vir por títulos e méritos, vêm por nubladas afinidades que comungam com a velha razão de que “uma mão lava a outra e as duas lavam a alma”. E que alma!!!

Como definir a (in) gestão cultural de uma cidade que no passado abriu as portas para o descobrimento do nosso país? Como definir as várias administrações que vêm ao longo dos anos permitindo a degradação dos seus bens públicos e culturais. Esta Cidade que nasceu junto com o Brasil, foi tombada pelo Patrimônio Nacional graças aos esforços de instituições competentes e de valores incontestes. Esta cidade deve ter regras?, leis?, códigos de postura?, conselhos? E isso tudo deve ter alguma serventia, talvez até possa coibir os arrotos politiqueiros. Qual seria a finalidade de um tombamento e a delimitação de um espaço histórico se nem ao menos quem o administra respeita isso? Afinal, não e difícil ver um caminhão engasgado no centro histórico, ou talvez uma carcaça de ônibus estacionada frente à Prefeitura. Qual a serventia disso? Quem cumpre isso? Quem quer saber disso? A quem isso interessa?

Como definir o processo de esgotamento cultural pelo qual passamos? A essa triste violação e inversão de valores? O que dizer de um povo, e do governo de uma Cidade que anseia viver de um passado glorioso, mas que por uma nojenta ignorância nem de seu passado sabe cuidar? “É esta a cidade que se pretende turística”?

“Mas onde estão os homens ilustres desta cidade”? Morreram? Mas já? - Não. Eles devem estar na fila dos crachás pré-datados. Ou então foram viver na bela megalópole cidade de “Maceyork”? Perguntar não ofende.

Perguntar não por arrogância, ou falso-moralismo, ou até mesmo por falta de modéstia, não por pretensão. Perguntar não por afronta ou por desrespeito. Perguntar por ter o direito de, ainda, indignar-se diante de ações publicas que se configuram como um desserviço aos entendimentos das boas políticas de educação e cultura. Questionar uma considerável parcela desta comunidade que se preocupa apenas em deixar clara e evidente suas afinidades partidárias.

Certa vez recebi um comentário num dos meus textos que me chamou a atenção pela verdade ali explicitada num simples desabafo; eu comentava o fazer teatral penedense e um leitor me rebateu dizendo que: “se não trabalhamos para o teatro que queremos, temos então o teatro que merecemos”, talvez deva ser essa a máxima para solução de todos os nossos problemas, todos em absoluto. Calar e consentir? Ver da janela a banda passar e não cair, e não se jogar nela, não seria a certo modo um crime? Não se permitir comentar (com coerência) um fato que lhe chama atenção é o fim do que na realidade deveria ser o começo de uma possível evolução.

Ainda na matéria do jornal “Gazeta”, podemos ver depoimentos de cidadãos que interrogados sobre o que entendem por políticas culturais, se perdem em meio a conclusões frívolas, mas com certo teor de verdade. Aqui, no Penedo como diria a triste canção “o sistema é bruto”. Falar em tradição é recorrer ao clichê “Penedo, Cidade do teve, Cidade do foi” e pouco ou quase nada se tem buscado de concreto para o Penedo de hoje, do amanhã.

No passado, a démodé pão e circo animava, e a certo modo acalmava quem por ela se via envolvido. Hoje, a juventude incitada por esta política retardada, tem nisso também um critério de eleição: “meu voto é do fulano porque ele traz bandas boas”... “não, o melhor é o cicrano, ele sim é que faz as boas festas...”que nada, bom mesmo é o beltrano, ele até já prometeu animação com o forró arrasta a fraga e rasga a saia”. São coisas deste gênero, lamentavelmente reais que ocorrem por estas bandas também. São coisas praticadas pelos usufructuários do caos a que nossa vida está submetida. São os regentes típicos de um coral bufo, que acreditam “no quanto pior melhor”, e que regem as nossas leis, que ditam como, onde e em que momento deveremos dançar, e o que dançar. São estes seres que cuidam zelosamente do “seu quadrado”, e fatalmente os elegemos para cuidar do nosso.

Aqueles que alguns de nós grotescamente seguimos e levantamos suas bandeiras em troca de míseros favores. Aqueles que recebem nossa ajuda prima no instante exato em que nos sentamos embaixo de seus birôs para apanhar as migalhas que eles deixam cair. São aqueles homens comuns que a história certamente não marcará. Mas pra quem acreditar que isso só acontece aqui, que estes homens nasceram e só existem aqui. Há um engano. Aqui isso se torna mais grave, pois afinal, somos nós quem ostentamos o titulo de Berço da Cultura Alagoana.

E qual seria a saída? Já que não a encontramos, ainda, podemos recorrer a Shakespeare numa passagem da peça JULIO CESAR que em razão de seu velório é dito:
“Antonio - Romanos, Patrícios, prestai-vos toda atenção. Eu vim para enterrar Cesar, não para elogiá-lo. Pela ambição que dele foi tão próxima, há de ser condenado. Pois o mal que um homem pratica vive depois dele, o bem, quase sempre é enterrado junto com seus ossos”. (Julgamento de Cesar; Julio Cesar/ Ato III, cena II).

Sendo assim, fica uma possível reflexão para nossas ações. Chamar a juízo e condenar todos esses malfeitores que usurpam poderes e desmandam de competências e confianças neles depositadas. Ou quando nada, sair às ruas e gritar por “direitos”, como temos visto em noticiários, a juventude que ainda marcha por ideais (sem arruaça, sem violência). E se Skakespeare não for o bastante, podemos ainda contar com o patrício Gil Vicente, a reunir numa BARCA DO INFERNO todos estes agenciadores do caos.

A imaginar como se daria isso aqui no Penedo, com o testemunho vivo do rio São Francisco, com toda essa bucólica cenografia; ver partir em direção ao “inferno” (que pode estar mais próximo do que imaginamos); uma barca imponente, levando para bem longe, prefeitos, secretários, coordenadores de cultura incompetentes, artistas e críticos inúteis, autoridades eclesiásticas politicamente incorretas, autoridades policiais de caráter duvidoso, professores e vereadores analfabetos, marginais irremediáveis, eleitores incautos, contraventores. Enfim, restaria mais alguém? E se a Cidade do Penedo pertence à história, que a ela se curve na cena do bispo Dom Pero Fernão de Sardinha e dos Caetés que o teria devorado. Desta feita, não por um naufrágio involuntário, mas por um simples e bem encenado empurrão. Todos ao mar! Salve-se quem puder!
 

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  • Pedro Paulo É isso ai Janilton, comentário quase perfeito. Aconselho o amigo a ler um pouco mais para escrever correto. Leitura não faz mal a ninguém pelo contrário, ajuda a não cometer os erros primários que podemos identificar no seu comentário. \"Em\" é com \"M\"
  • janilton tavares este é o tipo de artigo que deveria de alguma forma ser lido por todos os penedenses, e pelos não-penedenses também, já que o mesmo refere-se a forasteiros que aqui encontraram um belo negócio \\\"a poliítica \\\" ou melhor desculpem-me é uma ofensa dizer que estes praticam a verdadeira POLÍTICA , pra eles uso o termo \\\"POLÍ TICAGEM\\\" , pois é o que vemos en nossa ilustre porém tão descuidada cidade. mas isso é natural, basta ver como os próprios eleitores penedenses (com raras exeções) tratam e vivem a política, são verdadeiros egoístas que se preocupam não com penedo mais sim com as vantagens e benefícios que tiram de detereminadas administrações, concluindo eu diria que nada vai mudar, nem o descaso á cultura, nem a péssima saúde, ruas esburacadas, juventude sem ter o que fazere e pior sem representatividade... en quanto nós cidadãos eleitores aceitarmos calado o que os políticos locais fazem, (ou melhor não fazem). É, MEU CARO JEAN,TUDO O QUE VOCÊ RELATOU EN SEU ARTIGO NADA MAIS É DO QUE FRUTO DA INCONCIÊNCIA DO ELEITOR E DA INCOMPETÊNCIA DOS ADMINISTRADORES E SEUS SUBORDINADOS!!!!
  • Bruno Maia Bravo , bravíssimo !!!! Parabéns Jean , quando eu crescer quero escrever igual a você !! ......\" certas canções que ouço cabem tão dentro de mim que perguntar carece como não fui eu quem fiz ? \" ( Milton Nascimento / Tunai )
  • EMERSON FEITOSA Caro Jean, Texto muito bem escrito, mas gostaria de fazer algumas observações, deixando bem claro, que também nunca estive totalmente satisfeito com o rumo que os entes culturais deram a esta cidade. Primeiro gostaria de dizer que talvez os índios não tivessem sua opinião quanto à ”cidade que no passado abriu as portas para o descobrimento do nosso país”; Como sabemos, tinha caráter meramente predatório e não civilizatório. Certamente, o que os caetés digeriram quando do naufrágio da comitiva do bispo Sardinha, foi o ”modus operandi” de um sistema de pensamento de “usufructuários” que se instalou no Brasil, também via Penedo e que até hoje faz parte de nossa mentalidade brasileira, patrimonialista e preconceituosa, consequentemente penedense desde a sua origem, e muito bem acalentada, testada e usada, durante as várias fases do “Berço da Civilização Alagoana”. Pois bem, não somos penas o fruto de “um duelo travado por agentes da iniciativa privada X gerentes da iniciativa publica”, mas ao meu ver, de uma realidade social nova, que precisa ser melhor entendida pelos entes culturais privados e estatais, principalmente, quando de investimentos e uso de dinheiro público. Mas seria muito bom, se soubéssemos quem são os ”aliados sórdidos”, e a quem eles se aliaram neste duelo contra a Cultura Penedense. Talvez os ” artistas e críticos inúteis “ queiram saber! Quanto ao abandono e degradação dos bens públicos e culturais, acho que Penedo do ponto de vista meramente arquitetônico, encontra-se razoavelmente conservado. Isso com certeza deve-se a alguma gestão passada que se preocupou com isto. Mas também concordo que ônibus engasgado e carcaças não devam transitar no velho centro. E os conselhos, as regras, as leis, os códigos de postura? Com a palavra o Ministério Público, que fica ali, bem ali, vizinho à Associação Comercial; Não acha? A imagem de Penedo sempre esteve associada à cultura, principalmente no séc. XIX, quando as condições conjunturais econõmicas lhe favoreciam. No séc. XX, ações de governo fizeram os índices educacionais, que já eram bons, mas para uma pequena parcela da população (a que provavelmente conseguia ler Voltaire) melhorarem. Penedo sempre mandou seus “filhos ilustres” estudarem na “ bela megalópole cidade de “Maceyork” “. “A démodé pão e circo animava” também no início da invenção de nossas tradições brasileiras, nordestinas e penedenses. Eis o exemplo de nossa tão brejeira “Quadrilha” , adaptada e popularizada pelos filhos não ilustres de nossa sociedade, ou seja, o povão! Filha bastarda do “Par de Quatro” dos salões franceses e para poucos no Brasil colonial, se transformou numa referência de nacionalidade! Com isto quero dizer que a cultura é feita pelo povo, e que cultura de massa sempre existiu! Essa massa que em Penedo serviu de base para o seu crescimento econômico, é quem glorifica seu passado, e não apenas os pianos tocados por ilustres filhos dos fazendeiros ricos e “estrangeiros” na cidade. Penedo sempre foi isso: Terra de estrangeiros; terra de negócio; terra de ganhar dinheiro! Os filhos de Penedo são todos filhos dos estrangeiros que aqui chegaram nos barcos ou nos chicotes, para engrandecer e tornar glorioso esse passado! Gostaria de dizer que ninguém me dita onde, como e o que devo dançar, a menos que eu o queira e que Penedo sempre foi um sambra do criolo doido; Como o Brasil! Obrigado pelo seu texto que nos faz pensar!
  • janilton tavares muito obrigado pedro! pelo seu conselho e sua muito pertinente observaçãom com relação ao hábito da leitura, já estou começando a ler mais, pois sei que é através dela que vou escrever melhor e aperfeiçoar meus comentários.
  • thyago vinnycius...poète tenebrae.... Usufructuários Do Caos fez ode da sinfonia dos desesperos Dos filhos do penedo lançados aos rochedos, Tômbolas, tombadas a tona onde se escondem As vozes atrozes de Demônios eclesiásticos ferozes Onde nasceram flores de marfim sem fim! Devorou a poesia, a musica, e dança. Aqueu as sombras obsecras, Debilitam penedo ao coma sem fim. E úmido ainda com o sangue nos lábios Brota no lugar de roseiras, verrugas Enfeltradas nas mãos calejadas... Dos avós cegos que dizem aos netos, esta cidade e bela, muito bela, Belíssima, esta cidade é acolhedora feita o barqueiro Que leva sobre o rio de Hades as alma do povo ao purgatório... Às mil e uma chicotadas...
  • Rosil Ola Jean Esta indignação é comum aos que fazem ou tentam fazer cultura. Fazer no sentido amplo não apenas participando mas promovendo ações que difundem a cultura. Quando voce se refere Penedo é a cidade do já teve ou já foi é realmente a grande verdade, mas isto nós não devemos ísso só ao poder público não, a população também tem sua parcela de culpa. Explico; No ano passado foi realizado um Festival de Canto Coral aqui em nossa Cidade e para nosso grande desgosto o público assistente foi em numero reduzido, chegando até a parecer que estavamos cantando para cantores pois a plateia era formada por coralistas de outros grupos. Falo isto sobre a musica pois faço parte dela mas musica de qualidade se fosse alguma destas bandinhas que voce também cita em seu artigo as ruas estariam cheias e conseguentemente a Unidade Emergencia, Bombeiros e SAMU teriam muito trabalho. Sei que sentes o mesmo porque já acompanho seu trabalho como ator e é muito dificil reunir publico para um evento deverás cultural. Mas custumo dizer que Cavalo de Circo aprende quanto mais gente. Por isto vamos em frente, fazendo as criticas quando nescessario, mas sempre ensinando porque agua mole em pedra dura tanto bate até que fura, e nós seremos esta água que vai continuar com a ardua missão de fazer PENEDO voltar a ser o Berço da Cultura do Estado, ou quem sabe pelo menos acordar esta criança(cultura) que dorme no berço explendido do marasmo daqueles que podem e devem gerir a cultura do municipio. Força Companeiro, porque além de NORDESTINO nós fazemos CULTURA.
Públio José

Públio José

Jornalista, publicitário, escritor e atento observador da vida

Postado em 02/02/2011 13:03

O Idoso e o Trabalho

Há tempos uma dramática situação se arrasta indefinidamente sem ter das autoridades e dos profissionais ligados à atividade uma resposta convincente ou alguma providência. Trata-se da questão que envolve o idoso e o mercado de trabalho. Pois, enquanto a Medicina e a Farmacologia trabalham ininterruptamente para alongar o tempo de vida dos mais velhos, deixando-os, portanto, a cada dia em melhores condições de saúde, o mercado de trabalho os estigmatiza e, na maioria das vezes, os pune com o não emprego, a não oportunidade, a não chance. Enfim, com uma rejeição desumana até – certamente “pelo excesso de dias”. Este segmento, que agregou ao longo do tempo conhecimento precioso e muita experiência, vem sendo deixado ao relento do processo de tomada de decisões na grande maioria das empresas, sofrendo, com isso, um corte profundo na auto-estima e uma desvalorização constante na renda e no estilo de vida.

É hora, então, de se perguntar: existe explicação para isso tudo? Tem explicação para este processo que, mesmo lento, porém de maneira inexorável, vem infelicitando e ceifando vidas de milhares e milhares de pessoas ainda em boas condições de trabalho? Lamentavelmente sim. Num período que abrange os últimos 20 a 25 anos, muitas transformações ocorreram relacionadas ao mercado de trabalho, principalmente no Brasil. Passamos praticamente, até os anos 80, por um regime de reserva de mercado no qual as empresas, na maioria dos casos, não se preocupavam muito a quem vender nem com a qualidade do que produziam. Na realidade, elas tinham muito mais pessoas interessadas em comprar do que a capacidade que elas tinham de produzir e de vender. Era um tempo de economia fechada ao mercado externo e de grande esforço exportador para gerar divisas necessárias ao pagamento da dívida.

É bem verdade que o pleno emprego não havia, mas as entradas e saídas de funcionários eram mais lentas, gerando, com isso, um “turn-over” até saudável. Portanto, era natural a permanência dos profissionais durante um longo período nas empresas, com a conseqüente valorização dos mais antigos. Com a abertura dos mercados, no início dos anos 90, a realidade mudou radicalmente. A concorrência aumentou, as empresas nacionais passaram a ter acesso ao “modus operandi” das multinacionais, pelo fluxo internacional que se estabeleceu, e pelo qual tinham de reciclar e treinar rapidamente seus quadros, colocando para fora os que não se adequassem às novas tecnologias, uma febre de renovação varreu as empresas – e aí os mais antigos dançaram. Foram prejudicados não só pela obrigatoriedade rápida de atualização, mas – e principalmente – pela necessidade imediata que surgiu de se economizar nas folhas de pagamento.

O negócio, então, era trocar o funcionário mais antigo, portanto mais caro, pelo mais jovem, de exigências salariais mais condizentes com a ocasião e com maior capacidade de aprendizagem da informática e de um novo idioma. Em seguida veio a globalização, sistema pelo qual os países que tinham maior capacidade de produzir mais e melhor a preços mais baixos ganhavam mais e mais mercados. Aí o peso dos custos sobre a folha de salários passou a ser ainda mais preocupante. Essas novas condições de mercado criaram um paradigma ainda mais forte relacionado aos idosos, pelo qual pessoas com idade entre 40 a 50 anos foram taxadas de velhas para muitas das atividades, enquanto as com mais de 50 anos passaram à classificação de idosas e até de ultrapassadas e obsoletas. Na outra ponta da questão, os progressos da ciência vieram acentuar a vida útil dos seres humanos, ampliando assim, cada vez mais, o conteúdo paradoxal dessa realidade.

Tem saída para esse difícil contexto? O melhor remédio, para alguns entendidos no assunto, tem sido o de cultivar, no ambiente de trabalho, uma postura que venha aliar a juventude à experiência, empregando jovens e mais velhos de acordo com o direcionamento de mercado adotado por cada empresa. Esse, portanto, é um caminho que tem todas as condições de recuperar a auto-estima das pessoas, além de criar um ambiente de trabalho saudável e motivador. No entanto, se faz necessário, para o atingimento desse objetivo, a quebra de todo e qualquer preconceito. Do contrário, a empresa passa a ser uma cultivadora de paradigmas, se tornando, logicamente, inabilitada para implementação de programa de tal natureza. Pelo que se vê, tudo se resume a colocar um pouco de coração no planejamento e na administração das empresas, sem desgrudar os olhos, é claro, do faturamento. Dará certo? Aí a resposta fica com o tempo.

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João Pereira Junior

João Pereira Junior

Advogado, Professor de Direito e Membro da Academia Penedense de Letras

Postado em 30/01/2011 15:26

Preconceito em relação aos nordestinos no Programa do Gugu

Parece clichê o que eu vou dizer, mas, não é. Realmente eu estava numa dessas desesperadas buscas dedilhando canais no controle remoto tentando aplacar minha vontade de encontrar algo interessante para assistir na TV. E nesse frenesi de mudança de canais, deparei-me com o nocivo “Programa do Gugu”, um misto de idiotice, pseudo-utilidade e entretenimento de qualidade duvidosa; em outras palavras, uma bomba de alienação e má influência, seja direcionando o telespectador para o consumismo, seja insuflando-o a erotização ou, ainda, levando-o a formação de opiniões distorcidas, como é o caso desse dia em que vi o título da reportagem onde o Gugu entrevistava um artista plástico pernambucano chamado Romero Brito. O título da reportagem, portanto, foi: um nordestino de 100 milhões de reais. Não sei se o leitor já captou a carga de preconceito que há nesta frase lamentável; se não, peço humildemente que continue a leitura.

Ora, preconceito é a formação de um juízo de valor (sobre algo ou alguém) desprovido de maior averiguação, conformado apenas com as suas suposições ou conhecimentos superficiais, generalizando-se tal juízo para todas as ocorrências semelhantes. É dessa forma que boa parte dos sudestinos e sulistas agem em relação aos brasileiros localizados na região Nordeste do país. Para esta parcela, o Estados que compõem o nossa região não passam de escombros amontoados sobre a fome, a sede, a truculência, a pobreza e a desinformação. Essa ideia errônea é fruto da forma como a mídia nos tem mostrado, aliado ao fato da ignorância sudestina e sulista a nosso respeito, o que torna evidente a péssima educação que se oferece nas regiões brasileiras mais produtivas. Chão rachado e crime de mando; pobreza e analfabetismo são sintomas generalizados no Brasil. Não se trata de algo exclusivo de uma região. Assim como muitos estrangeiros acham que o Brasil é uma selva cheia de índios (ignorância acerca de nossa geopolítica), os sudestinos e sulistas também desconhecem a importância e pujança que o Nordeste já demonstra há alguns anos. Esquecem que a educação brasileira é muito ruim; a saúde é muito ruim, a segurança é muito ruim; a distribuição de renda é muito injusta, ou seja, não dá para criar outro país dentro do Brasil, tão uno em suas mazelas.

Entretanto, a mídia sudestina, a fim de ganhar audiência, embora ciente da realidade brasileira, reflete e potencializa o preconceito de sua região ao criar um título de reportagem como esse acima transcrito. Tanto assim que se se colocasse o seguinte título: um brasileiro de 100 milhões de reais, tal manchete não teria o mesmo impacto, pois brasileiros com tais fortunas não são tão raros assim. Da mesma forma se se colocasse um carioca ou um paulista, ou gaúcho, ou mineiro, ou capixaba, ou paranaense. Todavia, em sendo um nordestino, aí sim, passa a ser algo digno de se atentar, pois se aqui só existe miseráveis e idiotas, alguém que apareça com tal valor artístico e fortuna, deve ser alvo de uma longa reportagem.

O Programa do Gugu, invés de mitigar tais distorções, alimenta-as. E foi em são Paulo mesmo que tivemos, há poucos meses, exemplo de preconceito e descriminação. A própria mídia divulgou uma manifestação de uma garota paulista em arroubos na internet contra os nordestinos, culpando-os pela vitória de Dilma Roussef na corrida presidencial. Uma pobre menina, sem educação e sem conteúdo... mais uma vítima do “sudestismo”.

Entretanto, faço aqui a seguinte indagação: Seria possível tecermos algum comentário preconceituoso em relação às regiões mais produtivas do Brasil, já que temos tantas informações acerca deles por meio da mídia? Claro que sim. Nesse sentido, tomemos como objeto de nosso julgamento uma comunidade daquelas bem fechadas, constituídas por descendentes de alemães localizadas na região Sul. Para destilar nosso preconceito bastaria escrever assim:

Em pleno século XXI, existem comunidades de ignorantes no Sul do país que se isolam dentro de um arremedo de cultura germânica, longe da Alemanha e “longe do Brasil”. Como se pudessem ser autossuficientes, orgulham-se de terem sobrenomes como Scherer, Schneider, Shmidt, Hoffman, e de falarem o alemão. Vestem-se em festas populares como se estivessem na Europa medieval e não percebem o complexo de inferioridade que carregam. Não passam de brasileiros implorando para não serem assim reconhecidos, o que é uma pena, pois deixam de ser identificados com a nossa cultura e são ignorados pelos alemães que os têm por brasileiros. Ficam, assim, numa zona cinzenta de indiferença e isolacionismo, prato cheio para tolices e bizarrices. Mas, como são ignorantes, perdoe-mo-los e continuemos a esquecê-los lá em seu mundinho fechado, de imitação infantil adornado por suspensórios, botas, sanfonas e vestidos do século sei lá qual: cá pra nós, um cenário comovente de complexo de nacionalidade diversa: prato cheio para a psiquiatria, por se tratar de um comportamento coletivo. Tudo isso, não se enganem, é fruto da falta de boa escola e de leitura libertadora, prova de que a “Alemanha” que eles cultivam nessas equivocadas comunidades é de péssima qualidade.

O que eu posso está falando acima pode ser falso, verdadeiro ou parcialmente verdadeiro, já que eu não tenho conhecimento aprofundado sobre o comportamento de tais comunidades sulistas, pois escrevi com fundamento no que ouço falar e no que vejo na mídia. Como tudo está “editado”, minhas fontes não são fidedignas, por isso, não poderia discorrer de forma categórica sobre o assunto. A grande mídia, no entanto, em algumas oportunidades, principalmente em programas dominicais, reforçam as distorções, desde que a audiência esteja garantida.

Nessa esteira de equívocos o que mais me chama a atenção é quanto à ridicularização de nosso sotaque, sempre objeto de galhofa, como se fosse possível estipular um sotaque correto e outro incorreto. Ora, sotaque não fere a gramática, logo, não passa por essa avaliação. Mesmo assim, os personagens nordestinos utilizados nos meios televisivos ou cinematográficos são sempre caricaturizados, de modo que ou são ingênuos supersticiosos (romeiros, beatos, embriagados, analfabetos, etc.) ou são truculentos representados pelos jagunços, pistoleiros, coronéis, entre outros). Quando algum personagem vem a ser esperto, inteligente, só o é dentro do seu próprio universo tão pequeno, como foi o caso de João Grilo em “O Alto da Compadecida” exibido pela TV Globo. Enfim, parece que os sudestinos e sulistas se divertem com uma inferioridade que imaginam existir nos nordestinos. Talvez precisem disso para se sentirem melhor... quem sabe?

Muitos são tão alienados que interpretam como erro a forma com que alguns nordestinos palatalizam pronúncias de palavras tais como: oito (oitcho), estado (estchado) e ainda (aindja), sem perceberem que palatalizam da mesmíssima forma em palavras como tio (tchio), e dia (djia), por exemplo, mudando apenas as vogais que entre eles é sempre a letra i após as consoantes t ou d. A própria música infantiloide que o Gugu tanto cantava em programa anterior transmitido pelo SBT é exemplo dessa palatalização ao dizer: meu pintchinho amarelinho (...). Na verdade isso só revela outra constatação, pois segundo o linguista Marcos Bagno em seu livro Preconceito Linguístico, o problema não está na pronúncia articulada pelo nordestino, mas, em quem está falando e, nesse caso, quem está falando é uma pessoa “atrasada”, espécime vivo de uma “sub-raça”, como já foi falado por alguém, conclusão que, com todas as vênias necessárias, atinge o auge da estupidez.

Para comprovar ainda mais que a questão é de puro preconceito, basta atentarmos para a pronúncia do r (erre) retroflexo falado no interior de alguns Estados sudestinos em palavras como porta (poirta) e sorte (soirte). Nesses casos tal pronúncia não é considerada errada, afinal de contas, embora sejam caipiras, são caipiras de São Paulo e não do interior do Nordeste.

Pois é, caro leitor, nós já estamos GAGÁ de saber que enquanto houver tantos GUGUS, teremos de ter muito GOGÓ para denunciar tanta GOGA discriminatória.

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  • Gracinha de Souza Que texto rico de detalhes. Adorei o seu ponto de vista professor, meus parabéns!
  • vera João, que bom te reencontrar, e saber que vc continua perseguindo e lutando por seus valores, fico feliz por ter sido sua professora, bjs Vera
  • jonas Meu amigo PARABÉNS,pela materia mais acho q agente tem mais q se preocupar com outras coisas do q ta falando\"um nordestino de 100 milhões de reais\"NO MEU MODO DE INTERPRETAR FOI ELOGIO quem q tem esse valor?kkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
  • João Deyvid João, Parabéns pela excelente matéria, a discriminação é uma ferida profunda em nossa sociedade hipócrita! Abraço de seu eterno aluno! meu blog: opusdeyvid.blogspot.com (A questão étnica e a cultura pop discutida num só lugar)
  • Edmilson Meu caro João, acompanho atentamente suas postagens neste site, são sempre de alto nível argumentativo e com uma linguagem extremamente acessível. Parabéns. Só quero fazer uma observação. A jovem Mayara Petruso, que estimulou via internet uma campanha nazista de perseguição aos nordestinos, não é \" uma pobre menina, sem educação e sem conteúdo... mais uma vítima do “sudestismo”, ela é na verdade uma estudante do 6º ou 7º período de direito em uma faculdade paulista (que a mídia preferiu não vincular o nome da instituição à aquela aprendiz de Hitler). Portanto, alguém com um bom nível inteletual e com muitas oportunidades na vida, mas que preferiu abraçar uma conduta ideológica totalmente abominável.
  • Francisco Araújo João, parabéns pelo texto. Você foi fundo na questão, e eu concordo plenamente com a sua opinião.
  • Jaime Infeliz comentário o seu, Jonas.Não diga que \"ninguém\" vale 100 milhões de reais, pois a vida tem valor superior a qualquer tesouro.Desrespeitar a vida é desrespeitar o próximo,mesmo que \"inconscientemente\".Ao Sr. João Pereira Júnior, parabéns pelo excelente texto e pela ótima percepção.
  • João Pereira Júnior Olá, Edmilson. Obrigado pelos elogios e pela sua contribuição. Realmente eu não sabia desses detalhes envolvendo a tal garota. Contudo, quando mencionei uma \"pobre garota\" me referi à sua postura, o mesmo se aplicando ao \"sem conteúdo\" e \"sem educação\", afinal, as faculdades estão cheias de pessoas vazias e nada educadas. Ela é, portanto, é presa fácil do sudestismo alimentado pela grande mídia, a qual vai instilando nos menos críticos idéias e informações falseadas. Grande abraço e obrigado pelas palavras e pela assídua leitura dos textos que tenho enviado.
  • João Pereira Júnior Olá, Vera! Há quanto tempo!? Grande abraço. Obrigado a Gracinha (grande figura), ao poeta penedense Francisco Araújo, ao amigo João Deyvid (que a esta altura já deve está formado) e ao Jaime pelas palavras de apoio.